Correio braziliense, n. 20995, 17/11/2020. Economia, p. 7

 

Falta de transparência agrava a crise fiscal

Rosana Hessel

17/11/2020

 

 

Diante da falta de previsões claras sobre o futuro do auxílio emergencial e da paralisia das pautas orçamentárias no Congresso, o governo começa a receber críticas sobre a ausência de transparência a respeito de como pretende resolver o rombo das contas públicas. Para analistas, mesmo com a melhora recente das previsões do mercado para a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, devido à recessão provocada pela pandemia de covid-19, o país está diante de uma bomba fiscal prestes a explodir em 2020, e não há indicações sobre como o executivo pretende desarmá-la.

"Há uma indefinição muito grande e ainda mais preocupante do que romper o teto de gastos, que é a falta de transparência sobre como o governo vai enfrentar esse problema fiscal", destacou, ontem, o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), durante apresentação a jornalistas do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), ao lado de técnicos da entidade.

Segundo Salto, é preciso que o governo aponte com mais clareza qual será a evolução fiscal de curto e médio prazos. Além disso, a demora do Legislativo em aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2021 vai criar um novo problema para o Orçamento do próximo ano, que também está pendente de votação. Sem a LDO, o governo não poderá usar o mecanismo de gastar um duodécimo das verbas previstas a casa mês, o que aumenta os riscos fiscais e ameaça o próprio funcionamento da máquina pública.

A principal regra fiscal mantida durante a crise, o teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento da despesa à inflação do ano anterior —, está em risco em 2021, pois não existe espaço para novas despesas, como o auxílio emergencial para trabalhadores informais e desempregados, que expira em 31 de dezembro.

Para Salto, como não há expectativa de avanços nas propostas de emenda à Constituição (PECs) do pacto federativo e emergencial neste ano, o governo já deveria ter começado a discutir uma alternativa para novas regras fiscais, no caso de descumprimento do teto, ou apresentar uma solução crível para que a desconfiança não continue aumentando diante das incertezas.

Custos

O especialista em contas públicas não descarta a prorrogação do auxílio emergencial por mais três meses em 2021, a fim de amparar milhões de brasileiros que dependem do benefício. Pelas estimativas da IFI, se o valor médio do auxílio ficar em R$ 300 e ele for estendido para 25 milhões de pessoas, o custo mensal, de R$ 15,3 bilhões, geraria uma despesa extra de R$ 45,9 bilhões. Em outra simulação, considerando uma base maior, de 30 milhões de beneficiários, o custo mensal passaria para R$ 21,3 bilhões. Caso o benefício fosse para R$ 600, a despesa mensal saltaria para R$ 57,3 bilhões. Qualquer desses valores, mesmo o menor, já compromete o teto de gastos, mesmo com um cenário de maior expansão econômica no ano que vem.

"O que é preciso é um plano fiscal para o ano que vem e de médio prazo. O cenário turvo como o atual é o pior dos mundos", afirmou Salto, lembrando que os prêmios de risco cobrados pelos investidores para a comprar papéis da dívida pública estão elevados. Salto e o diretor da IFI Josué Pellegrini lembraram que o mercado já vem cobrando juros cada mais altos devido à piora no quadro fiscal. Para não ceder às exigências dos credores, o Tesouro Nacional vem procurando evitar emissões de títulos longos usando os recursos da conta única de que dispõe no Banco Central, que são finitos. Mesmo assim, já está pagando quase o dobro da taxa Selic (2% ao ano) em papéis com vencimento em um ano.

Segundo eles, o governo tem uma necessidade de financiamento de R$ 112 bilhões até o fim do ano e ainda não se programou. "Entre novembro de 2018 e abril de 2019, foram emitidos R$ 115,7 bilhões. No mesmo período deste ano, foram emitidos apenas R$ 40 bilhões", comparou Pellegrini.

Novas previsões

A IFI divulgou ontem novas previsões macroeconômicas e fiscais. Alterou de 6,5% para 5,5% a estimativa de queda do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, e de 2,46% para 2,8% a estimativa de crescimento do PIB no ano que vem, com taxa de crescimento médio baixo, nos anos seguintes, em torno de 2,3%. Logo, o panorama traçado pela entidade, ligada ao Senado, não é tão animador como o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem prevendo ultimamente. De acordo com o ministro, o PIB poderia crescer 4% no ano que vem, se o país não enfrentar uma segunda onda da pandemia de covid-19.

Apesar da melhora do cenário, as estimativas da IFI continuam apontando deficit para as contas públicas até 2030, sendo que, na melhor das hipóteses prováveis, a dívida pública bruta chegaria a 100% do PIB em 2024. No cenário pessimista, esse patamar de endividamento, considerado excessivamente alto para um país emergente, ocorreria em 2022, e continuaria subindo até chegar a 156% em 2030.

Para reverter esses cenários, os técnicos da IFI destacam que será preciso um ajuste fiscal forte para transformar o deficit de 2,9% do PIB, previsto para 2021, em superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 2,1% do PIB, em 2024. O ajuste seria a única forma de interromper a trajetória de crescimento da dívida pública. "Considerando as variáveis macroeconômicas, não há horizonte de equilíbrio para relação da dívida/PIB", resumiu Salto.