Correio braziliense, n. 20995, 17/11/2020. Saúde, p. 13

 

Moderna: vacina da covid é 94,5% eficaz

Vilhena Soares 

17/11/2020

 

 

  
Mais uma das candidatas a vacina da covid-19 demonstra alto nível de proteção. O imunizante criado pela empresa de biotecnologia americana Moderna tem 94,5% de eficiência, segundo resultados preliminares divulgados ontem. Essa é a terceira fórmula a obter resultados expressivos durante a fase final dos ensaios clínicos. Na semana passada, a multinacional Pfizer e o Instituto Gamaleya, na Rússia, divulgaram dados semelhantes (veja quadro). A notícia foi recebida com entusiasmo pelo diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas Tedros Adhanom Ghebreyesus alertou para a necessidade de manter outras medidas de prevenção ao novo coronavírus.

"Continuamos recebendo notícias animadoras sobre as vacinas e continuamos sendo prudentemente otimistas com relação à possibilidade de que novas ferramentas comecem a chegar nos próximos meses. Mas, agora, não é hora para complacências", enfatizou. O diretor-geral da OMS também destacou que as vacinas não serão suficientes para derrotar a pandemia e expressou "grande preocupação com o aumento do número de casos em alguns países", referindo-se principalmente à Europa e à América, onde "os trabalhadores e os sistemas de saúde estão no limite". "Chegou a hora de investir em sistemas que impeçam novas ondas do vírus", frisou Tedros Ghebreyesus.

Um dos países mais afetados pela pandemia, os Estados Unidos são palco dos ensaios clínicos conduzidos pela Moderna. A análise dos testes com mais de 30 mil participantes mostrou que 90 voluntários do grupo placebo contraíram covid-19, contra cinco do grupo vacinado. Isso quer dizer que o risco de ter a doença causada pelo Sars-CoV-2 foi reduzido em 94,5% naqueles que receberam o imunizante, comparados aos do grupo placebo.

Outro resultado positivo anunciado pela empresa é que nenhum caso grave de covid-19 foi registrado entre as pessoas imunizadas com a fórmula experimental. No grupo placebo, 11 voluntários enfrentaram quadros mais delicados da doença. "Essa análise intermediária positiva resultante dos nossos testes de fase três nos dá as primeiras indicações clínicas de que nossa vacina pode prevenir a covid-19, incluindo a sua forma grave", afirma, em comunicado, Stéphane Bancel, CEO da Moderna.

Segundo a empresa americana, entre 9% e 10% das pessoas vacinadas sofreram efeitos colaterais depois que receberam a segunda dose da fórmula. Cansaço, dor muscular e irritações perto do ponto da vacinação estavam entre as principais queixas. Os pesquisadores ressaltaram que os resultados ainda não foram avaliados por cientistas independentes, e não há previsão de quando serão divulgados os dados finais do ensaio clínico.

Por sua vez, Pfizer e Instituto Gamaleya planejam divulgar os resultados finais dos testes ainda neste ano. A vacina desenvolvida pela Rússia, cuja fórmula é batizada de Sputnik V, teve eficácia 92%. Já o projeto fruto da parceria entre a empresa americana Pfizer e o grupo alemão BioNTech divulgou taxa de 90% nos testes aplicados em cinco países. Em setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a aplicação da fórmula em 2 mil voluntários, mas os resultados mais recentes não contemplam a parte brasileira dos ensaios clínicos.

Possíveis ajustes

Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), avalia que os resultados positivos obtidos nos testes com as vacinas são bastante animadores, mas ressalta a necessidade de esperar as análises finais. "É uma notícia excelente porque contávamos com uma taxa superior a 50% de eficácia, o mínimo para ser aplicado na população, mas fomos surpreendidos com esse dado muito mais alto, ultrapassando os 90%. É um dado que vem dos desenvolvedores até agora, e não de estudos científicos, mas, ainda assim, é algo muito positivo", analisa.

O especialista brasileiro ressalta também que a eficácia constatada até agora pode diminuir com o decorrer das análises. Além disso, a publicação detalhada em uma revista científica é necessária para permitir que especialistas independentes façam comentários. Por isso, segundo Kfouri, só após a revisão de todos os dados, esses números poderão ser confirmados. "Outro ponto importante a ser destacado é que ainda não sabemos se essa eficácia foi registrada em pessoas de grupo de risco, como idosos ou participantes com diabetes. Esses dados serão interessantes para poder desenhar os parâmetros da imunização no futuro, para definir quais grupos devem tomar determinada vacina, por exemplo, já que teremos mais de uma fórmula. Vamos nos planejar de acordo com a bula de cada uma", explica.

» As apostas

Vacina da Moderna

» Taxa de eficácia*: 94,5%

» Como funciona: utiliza uma parte do código genético (RNA) do Sars-CoV-2 criada em laboratório para provocar, no organismo humano, uma resposta imune à presença do vírus

» Como foi testada: em mais de 30 mil pessoas, nos Estados Unidos

» Próxima etapa: revisão de dados dos participantes, sem previsão de publicação do resultado final do ensaio clínico

Vacina da Pfizer

» Taxa de eficácia*: 90%

» Como funciona: também utiliza uma parte do RNA do Sars-CoV-2 para provocar resposta imune à presença dele no corpo humano

» Como foi testada: em 43,5 mil pessoas de cinco países — Alemanha, Estados Unidos, Argentina, África do Sul

e Turquia.

» Próxima etapa: avaliação final da última etapa dos ensaios clínicos, com previsão de divulgação dos dados até o fim deste ano

Vacina da Rússia (Sputnik V)

» Taxa de eficácia*: 92%

» Como funciona: utiliza um vetor (vírus) que não tem a capacidade de infectar o organismo, mas tem força suficiente para provocar o desenvolvimento de anticorpos capazes de reagir à presença do novo coronavírus

» Como foi testada: em mais de 16 mil voluntários, na Rússia

» Próxima etapa: análise final dos testes da terceira fase, que devem ser divulgados até o fim deste ano

*Valores relativos aos resultados preliminares dos ensaios clínicos

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O desafio do armazenamento

17/11/2020

 

 

Assim como a vacina desenvolvida pela Pfizer e a BioNTech, o imunizante da Moderna utiliza uma cópia de parte do código genético (RNA) do vírus para provocar uma resposta imune do corpo humano à infecção pelo Sars-CoV-2. Apesar da alta eficácia obtida até agora, uma das desvantagens desse tipo de vacina é que elas precisam ser armazenadas em baixíssimas temperaturas, o que torna complicada a logística para sua aplicação em alguns países. A vacina da Moderna sai na frente nesse quesito, já que pode ser mantida a -20 °C por até seis meses. Já a da Pfizer precisa estar em um ambiente com menos – 75ºC e só mantém a sua eficácia por cinco dias.

Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que a termoestabilidade das vacinas é um ponto essencial, pois é essa característica que determinará a melhor fórmula a ser usada em cada região. "Essa é uma desvantagem dessas vacinas genéticas. Elas precisam de um ultracongelamento durante o transporte, e isso é algo difícil de conseguir principalmente aqui no Brasil. Essa temperatura da Moderna é um ponto bastante positivo, quer dizer que poderemos manter ela em estoques gerais, em geladeiras de postos de saúde, por exemplo, por mais que cinco dias, e isso ajuda bastante durante a aplicação em massa", ressaltou.

Outras fórmulas experimentais em testes demandam cuidados mais simples de armazenamento. No último dia 12, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que há 48 projetos de vacinas que estão sujeitos a testes clínicos, com humanos — entre eles, projetos vários laboratórios estatais chineses e da Universidade de Oxford junto com a AstraZeneca. Além disso, a agência das Nações Unidas contabiliza 164 projetos de vacinas em fase pré-clínica. (VS)