O Estado de São Paulo, n.46326, 19/08/2020. Política, p.A11

 

Fux atenua punição a Deltan na véspera de análise do CNMP

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

18/08/2020

 

 

Celso de Mello dá decisão a favor de coordenador da Lava Jato na véspera de sessão que iria analisar reclamações contra procurador

Apresentação. Uma das reclamações contra Deltan Dallagnol é de autoria do ex-presidente Lula por 'caso do Powerpoint'

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, suspendeu ontem à noite dois processos do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que podem tirar o procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Os dois casos estavam previstos para serem julgados hoje pela manhã, e miram a conduta de Dallagnol em relação à publicação nas redes sociais e supostas atitudes de promoção pessoal.

Celso de Mello argumentou que o Ministério Público deve ser independente. "Sabemos que regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente", escreveu.

Foi o segundo gesto do Supremo em favor de Deltan. Mais cedo, o vice-presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu uma advertência que Dallagnol havia recebido em novembro. A decisão tira o antecedente da ficha do procurador e pode livrá-lo de uma penalidade maior agora.

A advertência é uma punição branda, que fica registrada na ficha funcional do procurador, servindo como uma espécie de "mancha no currículo". Se Deltan fosse punido com nova advertência nos casos que devem ser avaliados hoje no CNMP, poderia sofrer uma punição maior no futuro – a censura. A reincidência na censura, por sua vez, pode acabar em suspensão de até 45 dias. Após a decisão de Fux, no entanto, ele ficou com a "ficha limpa".

A punição avaliada ontem por Fux ocorreu em novembro do ano passado, quando o CNMP aplicou a primeira punição ao procurador. Por 8 votos a 3 o conselho o advertiu por ter criticado o Supremo em entre vista à rádio CBN. Na ocasião, Deltan afirmou que três ministros formavam "uma panelinha" e passam para a sociedade uma mensagem de "leniência com a corrupção".

Dallagnol é alvo de mais de 50 representações no CNMP. Uma das que foi suspensa por Celso de Mello, de autoria da senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), pedia a remoção de Deltan do posto na Lava Jato por interesse público. A senadora reclama da atuação do procurador na criação de um fundo para gerir R$ 2 bilhões da multa que a Petrobrás pagou aos Estados Unidos e questiona o dinheiro que Deltan teria recebido por palestras durante a operação. O outro pedido havia sido feito pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Reação. A hipótese de que o CNMP pudesse tirar Deltan da Lava Jato causou reação de procuradores e aliados da força-tarefa, como o ex-juiz titular da Lava Jato Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça. Moro afirmou que a Constituição prevê "prerrogativas importantes" aos integrantes do Ministério Público, entre elas a de não poder ser removido. "Isso é uma garantia legal para que os procuradores possam atuar com segurança, independência e protegidos de influências políticas", disse.

O CNMP ainda deve analisar hoje um pedido feito pelo expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cobra "providências" no caso da apresentação de Powerpoint contra o petista que Deltan usou numa entrevista coletiva em junho de 2016. Segundo a defesa de Deltan, porém, este caso não gera risco de remoção para o procurador.

Procurado, Deltan disse que, em relação à representação de Kátia Abreu, "o caso envolvendo a fundação (da Petrobrás) foi analisado com profundidade em cinco órgãos diferentes e independentes e todos entenderam que foi uma solução jurídica legítima para um problema inédito". Com relação às palestras, afirmou que a atividade "foi já julgada legítima pelo plenário do próprio CNMP". Segundo ele, a maior parte dos eventos foi gratuita.

O advogado Alexandre Vitorino, que representa Deltan no CNMP, defendeu a independência da atuação do seu cliente. "Todo procurador tem que ter a segurança de que seu trabalho não será retaliado por grupos por ele investigados e deve ter a segurança de exercer suas funções de forma independente.

AÇÕES PARADAS

• Renan Calheiros

O senador emedebista, alvo da Lava Jato, pediu o afastamento de Dallagnol, a quem acusa de quebra de decoro – o procurador se manifestou em redes sociais contra Renan durante a disputa pela presidência do Senado.

• Katia Abreu

A senadora, também investigada pela Lava Jato, pediu afastamento imediato do procurador da força-tarefa da operação, sob argumento de existência de 17 pedidos de processos disciplinares contra Dallagnol no CNMP.