O Estado de São Paulo, n.46328, 20/08/2020. Espaço Aberto, p.A2

 

Poupança aumentou, mas precisa ser investida

Roberto Macedo

20/08/2020

 

 

Em 1.º de setembro virá do IBGE uma péssima notícia sobre avariação do produto interno bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano. As estimativas giram em torno de menos 9%(!). Aqueda foi forte em abril, depois disso a economia vem se recuperando e as previsões para a redução do PIB em 2020 estão perto de 5%, taxa também muito alta.

Ademais, a pandemia da covid-19 pegou a economia em depressão, iniciada em 2015, quando o PIB caiu 3,55%, e teve outra queda, de 3,28%, em 2016. No triênio seguinte vieram taxas positivas: 1,32% (2017), 1,32% (2018) e 1,14% (2019), que, grosso modo, só cobriram metade da queda no biênio anterior, e assim não retornou o PIB aseu valorem 2014(!). Fazendo o PIB desse ano=100, ele chegou a 97,1 em 2019. Se cair os referidos 5% neste ano, passará a 92,2. Para voltara 100 precisaria crescer 8,7%, o que numa hipótese otimista tomaria cerca de três anos, coma recessão comprometendo ainda o primeiro quinquênio da década atual.

No andar dessa trôpega carruagem, como o PIB caiu 1,5% no primeiro trimestre de 2020, anova quedas erá apontada por alguns analistas comoo início de uma"recessão técnica". Uma convenção entre economistas diz que ela vem com duas quedas consecutivas do PIB trimestral. Ora, o importante é dizer que a economia terá afundado ainda mais na depressão que começou em 2015! Depressão é algo mais forte e duradouro que recessão.

Agora, uma boa notícia. De março até julho último, a caderneta de poupança, doravante apenas poupança, teve captação líquida – depósitos menos retiradas – fortemente positiva, de R$127,5 bilhões, valor perto de quatro vezes o despendido anualmente pelo programa Bolsa Família. Outra ideia dessa enorme dimensão é que o ministro Paulo Guedes anda às turras com uma ala do governo em torno de verba de "apenas" R$ 5 bilhões, que essa ala quer gastar com investimentos públicos.

Mas poupar mais é bom para a economia financiar novos investimentos em formação de capital, como fábricas, habitações e obras de infraestrutura, que geram emprego e renda e levam ao desenvolvimento sustentável. Não é simples fazer essa poupança virar investimentos. Não se sabe se esse dinheiro ficará permanentemente na poupança, enquanto os investimentos que financiasse seriam pagos a longo prazo, podendo haver um desequilíbrio financeiro se a poupança for sacada no curto prazo. Também pode faltar demanda para novos financiamentos, como o habitacional, que tem na poupança sua fonte principal.

Uma questão a ser investigada pelo Banco Central (BC) é conhecer a origem desses recursos. Ainda não vi dados a respeito, mas provavelmente uma parte veio do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 por mês criado pelo governo. Muitos que o receberam podem tê-lo deixado na poupança como precaução para ter com o que contar mais à frente. Se isso ocorreu em grande magnitude, seria um risco quanto à instabilidade dos recursos captados.

Sabe-se também que houve uma fuga para a poupança de parte do dinheiro que saiu dos fundos de renda fixa, que perderam R$ 196 bilhões entre dezembro de 2019 e junho de 2020. Depósitos na poupança rendem 70% da Selic, que caiu para 2% ao ano, ou seja, 1,4% ao ano. Mesmo com essa taxa, a poupança tornou-se competitiva diante de fundos que pagam próximo de 2% ao ano, mas, ao contrário da poupança, cobram taxa de administração. E há também o Imposto de Renda (IR) nos fundos, não cobrado na poupança de pessoas físicas. Mesmo sem contar o IR, um fundo com 0,7% de taxa de administração ao ano perderia para a poupança, pois seu rendimento com a Selic atual ficaria perto de 1,3% ao ano. De maio para junho os fundos desse tipo perderam R$ 196 bilhões, mas não sei quanto foi para a poupança. Em princípio, o que foi seria um recurso mais estável do que o dinheiro do auxílio emergencial.

Li que o BC está monitorando esse forte crescimento da poupança, para evitar riscos como o apontado acima quanto a seu uso no financiamento habitacional. Mas esse monitoramento precisa ser rápido, pois também poderia indicar a viabilidade de mais financiamentos habitacionais, algo de que o Brasil carece, e muito. Haveria demanda? Em junho deste ano o financiamento imobiliário cresceu 52% relativamente ao mesmo mês de 2019, segundo o jornal Valor do último dia 18. Mas o volume ainda foi pequeno diante do potencial de recursos que chegaram à poupança. O valor foi de R$ 9,3 bilhões, enquanto de janeiro a maio variou entre R$ 6,4 bilhões e R$ 7,1 bilhões.

Se houver mesmo problema na demanda, há alternativa também por examinar. Em 25/11/2008 o BC autorizou as instituições financeiras a direcionar parte de seus recolhimentos compulsórios sobre depósitos a prazo para adquirirem papéis emitidos pelo BNDES, financiando-o. Esses recolhimentos sobre a poupança são de 20% sobre os depósitos, e também cresceram muito com o grande aporte mencionado. No BNDES, os recursos assim recebidos poderiam financiar investimentos não habitacionais.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR