Título: Direito ao asilo: direito humanitário
Autor: Dallari, Dalmo
Fonte: Jornal do Brasil, 13/09/2008, Opiniao, p. A9

Um dos sinais mais expressivos do avanço da civilização é o estabelecimento de regras jurídicas eficazes para o relacionamento entre os Estados. Quando as relações internacionais são regidas pelo direito, os conflitos de interesses são resolvidos por meios pacíficos, buscando soluções justas e com respeito recíproco entre os Estados envolvidos. Um dos pontos fundamentais desse avanço, que deve ser creditado, em grande parte, ao Brasil, pelo extraordinário desempenho de Rui Barbosa na Segunda Conferência da Paz de Haia, em 1907, é o respeito à igualdade de direitos de todos os Estados, sem a concessão de privilégios aos mais poderosos militar ou economicamente e sem degradar as relações internacionais, reduzindo-as a uma troca de favores entre governantes. A par disso, em defesa de sua própria soberania, mas também para salvaguarda do princípio da igualdade de direitos, que é de interesse universal, os Estados têm o dever de não abrir mão de seu direito à igualdade, que é parte de sua soberania, não aceitando acordos nem fazendo cortesias que impliquem uma renúncia a esse direito.

É importante e muito oportuno que isso seja lembrado agora, quando as autoridades brasileiras deverão decidir se deverá ser acolhido um pedido de asilo formulado pelo italiano Cesare Battisti, refugiado político que a Itália pretende que seja extraditado. Perseguido por suas atividades de jovem militante de um movimento político armado, há cerca de trinta anos, durante os chamados "anos de chumbo", quando direita e esquerda se confrontaram com extremos de radicalismo, Battisti refugiou-se primeiro na França, quando o governo Mitterrand ofereceu abrigo aos que desistissem da luta armada. Depois, quando um novo governo francês fez acordo com o governo italiano e em troca de algumas compensações prometeu entregar os refugiados, veio para o Brasil, onde vivia pacificamente com sua família, desenvolvendo sua atividade de escritor, com vários livros já publicados. Um dado importante é que Cesare Battisti é acusado pelo governo italiano de ter praticado quatro homicídios, o que ele sempre negou, tendo sido julgado e condenado à revelia, sem a possibilidade de exercer seu direito de defesa.

Neste momento estão pendentes no Brasil um pedido de extradição formulado pelo governo italiano e um pedido de asilo, pelo reconhecimento de sua condição de refugiado, apresentado formalmente por Cesare Battisti. Cabe aqui lembrar que as atividades de que ele é acusado caracterizam, sem qualquer dúvida, crime político e a Constituição brasileira estabelece expressamente, no artigo 5º, inciso LII, que "não será concedida extradição de estrangeiro por crime político". Além disso, no artigo 4º, onde são enumerados os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, consta, no inciso X, "concessão de asilo político". Comentando esse dispositivo, observa o eminente constitucionalista José Afonso da Silva que, pela Convenção sobre Asilo Político aprovada pela ONU, essa proteção a pessoas perseguidas por motivos políticos é considerada de caráter humanitário, ficando, assim, cada Estado com o direito de fixar suas regras sobre o assunto. Adverte, ainda, o eminente jurista, que o Estado ao qual é pedida a concessão do refúgio é quem deve fazer a qualificação jurídica dos fatos imputados ao requerente do asilo, pois "a tendência do Estado de origem do solicitante é de negar a natureza política do delito imputado e dos motivos da perseguição, para considerá-lo crime comum". Assim, pois, ambas as decisões, sobre o asilo e a extradição, devem ser rigorosamente pautadas pelos princípios e normas da Constituição brasileira, sem aceitar pressões das autoridades italianas e sem fazer concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro.