Correio braziliense, n. 20996, 18/11/2020. Política, p. 2

 

Urnas forçam Bolsonaro a se reinventar

Wesley Oliveira 

Jorge Vasconcellos 

18/11/2020

 

 

Depois de assistirem à derrota da maioria de seus candidatos no primeiro turno das eleições municipais, o presidente Jair Bolsonaro e aliados avaliam as lições que esse resultado deixa para o projeto de reeleição em 2022. A construção de uma base de sustentação política e a filiação do presidente a um partido estão entre as opções consideradas.

O baixo desempenho do bolsonarismo nas disputas municipais tem sido atribuído por analistas, em grande parte, ao fato de o chefe do Executivo não ser filiado a um partido. A diluição dessa bandeira em várias legendas, durante as campanhas, acabou prejudicando a comunicação com os eleitores, avaliam.

Sem perspectiva de que saia do papel o Aliança pelo Brasil, partido que tenta fundar — já que foram alcançados apenas 8% das 492 mil assinaturas necessárias —, Bolsonaro deve se abrigar em outra legenda já existente.

O presidente iniciou conversas com lideranças do Centrão, bloco partidário que saiu vitorioso nas votações do domingo, emplacando mais de dois mil prefeitos. O PTB, liderado por Roberto Jefferson, aliado do chefe do Executivo, é uma das siglas cogitadas.

Além disso, o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, afirmou ter convidado Bolsonaro para retornar ao partido, que cresceu nos municípios e se tornou, no domingo, o segundo com mais prefeitos (682) e vereadores (6.353) eleitos do país, atrás apenas do MDB, que fez 774 e 7.335, respectivamente.

A partir do próximo ano, o Centrão assumirá o controle de muitas cidades que se tornarão palanques cobiçados na eleição presidencial de 2022. Com a derrota de candidatos de Bolsonaro em grandes municípios, como São Paulo, o presidente poderia tentar recompor a força política ingressando em algum partido do bloco.

Caciques do PP ouvidos pelo Correio afirmam que o resultado das eleições municipais poderá influenciar a decisão do presidente. "Com o número grande de prefeituras, o PP vai poder garantir palanque para Bolsonaro em diversas cidades. Talvez, isso pese na decisão dele", afirmou um integrante da sigla, sob a condição de anonimato. "O bom filho à casa torna. Bolsonaro já foi do PP. Concorrer à reeleição com essa estrutura, talvez, torne o jogo mais fácil", disse outro representante.

Auxílio
Além de uma base partidária de sustentação, a falta de definição do governo sobre o que fazer depois do fim do auxílio emergencial, previsto para dezembro, pode comprometer o projeto de reeleição do presidente, cujos índices de aprovação aumentaram após o início do pagamento do benefício.

Entre as propostas ventiladas, o Renda Cidadã — repaginada no programa Bolsa Família, marca dos governos petistas — seria a solução. No entanto, o Palácio do Planalto esbarrou nos limites orçamentários para ampliar o programa.

O governo tenta encontrar uma fonte capaz de financiar o programa de distribuição de renda. O relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), vai se reunir com líderes, amanhã, para apresentar sua proposta. O parlamentar estuda medidas de austeridade com o objetivo de garantir o custeio do projeto e não descumprir o teto de gastos.

Para Daniel Duque, pesquisador da área de economia aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV), hoje, não haveria brechas no orçamento para financiamento do programa. Na visão dele, qualquer proposta seria com furo do teto de gastos. "Para 2021, na minha avaliação, não há nenhum espaço no orçamento, já que qualquer mudança de orçamento dependeria do aval do Congresso, e nada foi votado. A não ser que o governo pedale ou dê algum jeitinho, para abrir um espaço que não deveria existir", explicou.

Segundo o pesquisador, com o fim do auxílio emergencial haverá um aumento da pobreza no Brasil e isso poderá resultar em perda de popularidade de Bolsonaro. "A gente tem é uma expectativa de pobreza e uma piora do bem-estar social do país. A relação que se estuda, nesse caso, é bem direta, quando se tem uma perda abrupta de renda, principalmente entre os mais pobres, é na perda de popularidade do governo", emendou.

Assessor especial para Assuntos Internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins fez um mea-culpa, em suas redes sociais, após os resultados do primeiro turno das eleições municipais. "Enquanto batíamos cabeça para fazer o básico e tentar nos organizar, a esquerda se renovou, assimilou as lições de 2018 e soube usar a internet e a nova realidade política a seu favor. Ou fazemos a devida autocrítica, ou nossos erros cobrarão um preço ainda maior no futuro", escreveu ele, um dos integrantes da chamada ala ideológica do Planalto.

Para o assessor, a falta de uma estrutura partidária de direita nos municípios contribuiu para o resultado das urnas. "Não adianta chegar às vésperas da eleição e dar carteirada nem tentar levar no grito", avisou.

Frase

"A gente tem é uma expectativa de pobreza e uma piora do bem-estar social do país. A relação que se estuda, nesse caso, é bem direta, quando se tem uma perda abrupta de renda, principalmente entre os mais pobres, é na perda de popularidade do governo"
Daniel Duque, pesquisador da FGV

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Nas entrelinhas: Efeitos colaterais 

Luiz Carlos Azedo 

18/11/2020

 

 

O primeiro impacto das eleições municipais na política nacional se dará nas disputas pelas Mesas do Congresso, principalmente a da Câmara. Do ponto de vista da composição das duas Casas, não houve grande mudança na correlação de forças, apesar dos suplentes que deverão assumir, porém, o desempenho dos partidos na eleição de prefeitos e vereadores, que estão na base da reprodução e renovação dos mandatos dos deputados, influencia — e muito — os humores dos congressistas. As articulações para o comando do Senado e da Câmara ganharam nova dinâmica já a partir desta semana.

A primeira premissa a se resolver é a questão da reeleição na mesma legislatura, que a Constituição proíbe. Um parecer da consultoria jurídica do Senado diz que o assunto é regimental e que, portanto, dependeria apenas de decisão dos senadores. Essa questão, porém, será dirimida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As articulações para que os ministros do Supremo lavem as mãos, como Pilatos, seguem o percurso que todos conhecem: as relações entre senadores e ministros, tecidas ao longo do tempo. Entretanto, não dá para apostar que o Supremo aceitará a mudança das regras de jogo, pelo precedente que abre.

Na hipótese de que a reeleição seja permitida, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está com quase tudo dominado. Já se acertou com as bancadas do MDB e do PT. O seu problema é o grupo Muda Senado, que originalmente foi um esteio de sua vitória contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Na Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é contra a reeleição, caso isso seja permitido, não terá adversários capazes de derrotá-lo. Essa possibilidade lhe cairia no colo, pois quem trabalha abertamente pela possibilidade de reeleição é Alcolumbre.

No período republicano, foram poucos os presidentes da Câmara que se reelegeram na mesma legislatura: Sabino Barroso (1909-1914), Arnolfo Rodrigues de Azevedo (1921-1926) e Ranielli Mazzini (1958-1965), que, por duas vezes, assumiu a Presidência da República em situação de crise institucional. A primeira, na renúncia de Jânio, em 1961; a segunda, na deposição do presidente João Goulart, mas acabou tendo de entregar o cargo para o marechal Castelo Branco. No Senado, nunca houve esse precedente. Embora Humberto Lucena (duas vezes), Antonio Carlos Magalhães (duas), José Sarney (quatro) e Renan Calheiros (quatro) tenham presidido a Casa mais de uma vez, nunca foram reeleitos na mesma legislatura.

Bolsonaro

Caso não seja mesmo permitida a reeleição na mesma legislatura, no Senado, o candidato mais forte à sucessão de Alcolumbre é o senador Eduardo Braga (MDB-AM), líder do governo na Casa. O circo pega fogo, porém, na Câmara, onde está instalada a disputa entre o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), e o líder do MDB, deputado Baleia Rossi (SP). O primeiro, é o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto, com objetivo de domar a Câmara, controlando a sua pauta. O fortalecimento do PP nas eleições municipais, nas quais saltou de 495 para 682 prefeituras, foi resultado da estratégia de aproximação com Bolsonaro desenvolvida pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, e Arthur Lira, que, por isso mesmo, aumentou o seu cacife na disputa da Câmara junto ao Palácio do Planalto.

Do outro lado do balcão, Baleia Rossi, que também é presidente do MDB, candidato apoiado por Rodrigo Maia, amarga a perda de 261 prefeituras (caiu de 1.035 para 774). Entretanto, o MDB continua sendo o partido mais forte do país em termos de prefeitos, vereadores e número de votos. Além disso, para Baleia, o apoio do DEM foi robustecido pelo desempenho eleitoral dessa legenda, que aumentou o número de prefeituras de 266 para 459 (193 a mais). É óbvio que essa matemática não se reflete automaticamente na eleição da Câmara, mas mexe com os ânimos dos deputados, que se envolvem diretamente nas eleições municipais e captam os humores do eleitorado.

É aí que a derrota dos candidatos apoiados por Bolsonaro no primeiro turno pesa na balança. Fragiliza sua relação com os partidos do Centrão, entre os quais o PSD de Gilberto Kassab. Se tivesse mais senso estratégico, Bolsonaro não teria se envolvido, como se envolveu, no primeiro turno. Nada garante que não repita o erro no segundo turno, correndo risco de ter o apoio rejeitado pelos candidatos com quem tem afinidade. Mesmo no caso de Crivella, no Rio, seu apoio pode ser desastroso, pois as primeiras pesquisas mostram que o eleitorado de esquerda e centro-esquerda já desembarcou na candidatura de Eduardo Paes (DEM), e a eleição está praticamente perdida. Além disso, envolver-se diretamente na disputa pelo comando da Câmara é um jogo perigoso. Por exemplo, custou muito caro para a ex-presidente Dilma Rousseff, que foi derrotada por Eduardo Cunha (MDB-RJ), de quem era inimiga figadal. Ele abriu o processo de impeachment da ex-presidente da República, antes de ser afastado do cargo e preso por causa do Petrolão.