O Estado de São Paulo, n.46331, 23/08/2020. Economia, p.B2

 

Os objetivos políticos do pacote econômico

Celso Ming

23/08/2020

 

 

É um equívoco imaginar que as decisões de política econômica, as que já estão em vigor e as que serão anunciadas nesta terça-feira, estão sendo tomadas apenas para atender às posições ideológicas do ministro Paulo Guedes, ex-aluno da Universidade de Chicago e integrante da escola liberal. Também é um equívoco repetir que o presidente Bolsonaro não passa de um bronco político.

Tudo está sendo pensado com o objetivo de arrebatar votos. Todos os terreiros eleitorais vêm sendo e continuarão sendo garimpados pelo governo. Mas os mais visados são os redutos que até agora eram dominados pelo PT e pelos demais segmentos das esquerdas.

Nesta semana, o ministro da Economia estará lançando um conjunto de projetos de infraestrutura, que contemplarão principalmente o Nordeste. Virá, também, um plano de aumento de empregos por meio da desoneração das folhas de salários e um programa de renda mínima que pretende ampliar o Bolsa Família. Até mesmo o relançamento dos projetos de privatização será defendido com apelos de natureza popular. Quem pode seguir defendendo a atual situação da Eletrobrás, que não para de aumentar a conta de luz do trabalhador, ou, então, a dos Correios, que não conseguem acompanhar a eficácia das empresas privadas na entrega de correspondências e de encomendas? Enfim, serão projetos de natureza político-eleitoral, mas que virão sob o chapéu da economia.

Não está claro, ainda, como todo o pacote será embalado nem o que virá antes e o que virá depois. Por tudo o que já se sabe, o projeto de criação do Imposto sobre Transações Financeiras deve ser anunciado numa outra etapa. Mas esse retardamento deixaria pontas a descoberto. Se tudo depende desse novo imposto e se esse projeto for encaminhado apenas depois ou, mesmo, se acabar por ser barrado no Congresso, fica para ser examinado como as despesas previstas nessas propostas terá cobertura orçamentária.

Algumas dessas decisões serão questionadas, especialmente quanto à sua consistência. Mas não dá para negar que envolvem forte interesse popular. Isso torna muito difícil para as oposições, principalmente para as esquerdas, a tarefa de montar uma estratégia contra o governo. Lula vai dizer, como já vem dizendo, que essas coisas foram feitas melhor pelos governos liderados pelo PT. Mas, até mesmo por esse argumento, se eram políticas corretas, empunhadas por bandeiras corretas, as esquerdas terão dificuldade para justificar o voto sistemático contrário a essas propostas do governo.

Até há dois meses, Bolsonaro levantou muita poeira com declarações descalibradas. Mas fechou a boca e deixou de engolir besouros. Em vez disso, preferiu dar prioridade a articulações com o Congresso e com o Supremo. Assim, desarmou a arapuca do impeachment, silenciou defensores da tese de que prepara um golpe inspirado no Ato Institucional Número 5, conseguiu subir alguns degraus nas pesquisas de avaliação de desempenho, obteve alguma recuperação na atividade econômica e agora articula esse pacote aí. As eleições de novembro próximo já deverão mostrar que caminhos políticos o eleitor brasileiro passará (...)