Correio braziliense, n. 21004, 26/11/2020. Política, p. 2

 

A baixaria entra nas disputas

Jorge Vasconcellos 

26/11/2020

 

 

Com fake news, racha na esquerda e outras marcas da disputa presidencial de 2018, o clima esquentou de vez na reta final do segundo turno das eleições municipais, marcado para domingo. Em grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, os ataques pessoais entre os candidatos baixaram o nível dos debates e reforçaram a rivalidade entre grupos políticos. Na capital gaúcha, por exemplo, acusações relacionadas a racismo elevaram a tensão entre Sebastião Melo (MDB) e Manuela D'Ávila (PCdoB). No Rio, "kit gay", pedofilia e alusões ao diabo são os temas da vez no embate entre o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM).

Crivella, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, aparece nas pesquisas de intenção de voto com quase 30 pontos percentuais de desvantagem em relação a Paes. Ante o risco de ser derrotado, o prefeito vem tentando associar o adversário ao PSol e a um suposto "kit gay".

Em um desses ataques, nas redes sociais, Crivella aparece num vídeo, ao lado do deputado federal bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ). Na gravação, eles acusam Paes de ter um acordo com o PSol, pelo qual o partido assumiria a Secretaria de Educação — a sigla de esquerda, porém, expressou apenas "apoio crítico" ao ex-prefeito, e não se tem notícia de um acordo para que participe de uma eventual administração do candidato. Com o PSol à frente da secretaria — continuou Crivella —, haveria "pedofilia nas escolas".

Em resposta, Paes tem apontado Crivella, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, como "o pai da mentira", um dos apelidos do diabo. No Twitter, o ex-prefeito escreveu: "Crivella, o pai da mentira, insiste com a falsa acusação sobre pedofilia e kit gay nas escolas. Um desrespeito com professores, profissionais da educação e até com quem um dia acreditou que ele era um homem íntegro e um cristão de verdade. Que Deus tenha misericórdia dele".

Ontem, a Justiça Eleitoral proibiu a campanha de Crivella de distribuir panfleto acusando Paes de defender a legalização do aborto, a liberação das drogas e a distribuição de "kit gay".

Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição e líder das intenções de voto, endureceu o discurso contra o adversário, Guilherme Boulos (PSol). Foi logo depois da divulgação da mais recente pesquisa Datafolha, indicando que ele caiu três pontos percentuais, e o rival cresceu três.

Em entrevista à CBN, Covas disse que "vai ser no dia" que os eleitores vão se definir. Ele também chamou Boulos de radical, em reação à declaração do candidato do PSol — à Jovem Pan, há poucos dias — de que Cuba e Venezuela não são ditaduras porque realizam eleições. "Só uma visão ideológica para achar que Venezuela e Cuba são democracias porque têm eleição. Isso mostra radicalismo", disse o tucano.

Já a campanha de Boulos centra fogo no vice de Covas, o vereador Ricardo Nunes (MDB), alvo de inquérito do Ministério Público estadual por suspeita de envolvimento em irregularidades no aluguel de imóveis para o funcionamento de creches. Os partidários do candidato do PSol também tentam explorar problemas do oponente na esfera familiar. Em 2011, Nunes foi acusado de violência doméstica, ameaça e injúria contra a mulher. Ele não chegou a ser denunciado à Justiça, porque a queixa foi retirada.

O PSol estadual acusa Covas de esconder o vice. Ontem, Nunes virou piada e foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais após faltar a um debate com a candidata a vice de Boulos, a ex-prefeita Luiza Erundina (Psol).

Racismo
Em Porto Alegre, onde aconteceu o assassinato de João Alberto Silveira Freitas — um homem negro espancado até a morte por dois seguranças brancos, em uma unidade do Carrefour (leia mais na página 7) —, acusações de racismo viraram caso de polícia na disputa entre Sebastião Melo e Manuela D'Ávila.

As tensões começaram com a divulgação, na terça-feira, de um vídeo da campanha da candidata do PCdoB. Com duração de 30 segundos, a gravação destaca o apoio do vice-presidente Hamilton Mourão a Sebastião Melo e mostra trecho da recente entrevista na qual o general diz que não existe racismo no Brasil.

O vídeo também liga a candidatura do MDB a Valter Nagelstein (PSD), que passou a apoiar Melo após ser derrotado no primeiro turno. São mostrados trechos de áudio em que o ex-candidato critica a formação da nova bancada do PSol na Câmara de Vereadores, constituída, segundo ele, "por negros e com pouquíssima qualificação formal". O vídeo destaca: "Essa é a turma do Melo, converse com a tua turma e vote contra o racismo e a favor da igualdade".

Ontem, Melo afirmou que foi à polícia registrar um boletim de ocorrência contra Manuela D'Ávila. "Não posso aceitar que o debate chegue a esse nível", disse pelo Twitter.

Bolsonaro

Em 2018, a expressão “kit gay” ficou conhecida nacionalmente depois de ser usada pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro, à época filiado ao PSL, para fazer acusações contra Fernando Haddad (PT), um de seus concorrentes. Sem apresentar provas, ele apontou o petista como responsável pela idealização de um material escolar contra homofobia quando era ministro da Educação. Porém, o conteúdo didático, além de não ter qualquer orientação que justificasse a alcunha, era uma iniciativa do Congresso.

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No Recife, tensão é entre primos 

26/11/2020

 

 

A disputa pela Prefeitura do Recife provocou um racha entre os partidos de esquerda, com acusações de práticas espúrias de ambos os lados. Às vésperas do segundo turno, dissidências de PDT e PCdoB, legendas que apoiam João Campos (PSB), reforçaram a campanha de Marília Arraes (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto. Em reação, o candidato do PSB investe no antipetismo, vinculando a sigla da adversária, que é sua prima, à corrupção, para conquistar eleitores de direita e de centro-direita.

Nesta semana, João Campos sofreu uma derrota na Justiça Eleitoral. A campanha teve de tirar de circulação uma peça que acusava Marília Arraes de ser contra o programa ProUni municipal e contra a Bíblia. Nas redes sociais, o candidato negou ter aderido ao "baixo nível".

Outro ator importante nesse racha da esquerda pernambucana é o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE). Impedido pela direção nacional do partido de disputar a prefeitura, ele vem sendo apontado por correligionários como traidor, depois de ter manifestado apoio à campanha petista. O pré-candidato à presidência Ciro Gomes (PDT), de olho numa possível dobradinha com o PSB em 2022, esteve no Recife, nesta semana, para pedir votos para João Campos e gravar mensagens destinadas à propaganda eleitoral na tevê.

Em palanque do candidato do PSB no domingo, o presidente do PDT, Carlos Lupi, não citou Gadêlha, mas mandou um recado direto: "Quem do PDT não estiver na chapa não tem o que fazer no PDT. No nosso PDT não tem espaço para traíra. O nosso compromisso é de honra, não é de vaidade". O clima pesou ainda mais depois que Gadêlha afirmou, nas redes sociais, que seu chefe de gabinete foi procurado pela coordenação do PSB, interessada em "negociar o meu silêncio" no segundo turno.

Outro dissidente é o ex-prefeito do Recife João Paulo, do PCdoB, que contrariou o partido e manifestou apoio a Marília Arraes. "Considero deploráveis os ataques ao PT, partido do qual participei desde sua fundação e que ajudei a construir por muitos anos. Sinto-me na obrigação de repudiar esse tipo de atitude política, que não constrói, não fortalece a disputa democrática em nosso estado e enfraquece as forças do campo progressista", destacou João Paulo, no último domingo. (JV)