O Estado de São Paulo, n.46333, 25/08/2020. Metrópole, p.A16

 

Flordelis é acusada por morte de pastor

Marcio Dolzan

25/08/2020

 

 

Deputada federal é apontada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio como a mandante do assassinato do marido; ela nega

Apontada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) como mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, a deputada federal Flordelis (PSD-RJ) teria arquitetado o crime por estar insatisfeita com a forma com que o pastor geria o dinheiro da família. Segundo os investigadores, ela tentou assassinar o pastor pelo menos seis vezes por envenenamento, além de contratar pistoleiros em outras duas oportunidades. Por meio de sua defesa, a parlamentar nega o crime.

Durante o inquérito, a polícia e o MP-RJ se depararam com uma troca de mensagens em que Flordelis sugere que o assassinato do marido seria a única saída. "Quando ela convence e fala com um outro filho que está aqui denunciado, o André, sobre esse plano de matar Anderson, ela fala da seguinte maneira: 'Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus', e então resolve matar. Ou seja, nessa lógica torta, o assassinato escandalizaria menos", contou o promotor Sergio Lopes Pereira, em entrevista na manhã de ontem.

Segundo o representante do Ministério Público, "o grupo que se formou vendeu a imagem de um casal perfeito, de uma família caridosa, que criou 55 filhos", mas isso não era verdade. "Os autos mostram que isso foi um golpe, um meio de se conseguir proteção", afirmou o promotor. "Começou em maio de 2018 com uma tentativa de envenenamento do pastor Anderson. Era feito de forma sucessiva, gradual, cumulativa, para conduzir à morte do pastor. ( Era usado) veneno, mais notadamente o arsênico, que era posto na comida e na bebida do pastor de forma dissimulada."

Responsável pelo inquérito, o delegado Allan Duarte, titular da Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo, disse que a imagem de família unida era apenas uma fachada. "Não se tratava de uma simples família, mas de uma organização criminosa intrafamiliar", afirmou. "O inquérito traz a desconstrução dessa imagem de decência ( da deputada), de pessoa caridosa. Ela vendia esse enredo para conseguir chegar à Camara dos Deputados, e depois tratar essa pessoa ( Anderson) como objeto descartável."

Duarte afirmou que a motivação do crime foi financeira. "O pastor era o gestor dessa família, a cabeça pensante. Era ele quem geria a carreira artística, religiosa e política da deputada", declarou. Haveria ainda um racha entre os filhos biológicos e os adotivos – que não recebiam o mesmo tratamento. "Ela, além de arquitetar todo esse plano criminoso, financiou a compra da arma, convenceu pessoas a praticar esse crime, avisou sobre a chegada da vítima ao local, e ocultou provas", destacou Allan Duarte. "Para a gente, fica muito claro, não resta a menor dúvida, de que ela foi a autora intelectual, a grande cabeça desse crime."

Sem prisão. Por exercer mandato parlamentar, Flordelis não pode ser presa neste momento. Apesar disso, ela já é ré no processo e será julgada em primeira instância, com os demais acusados, pela 3.ª Vara Criminal de Niterói. Sem poder pedir a prisão da deputada, a Polícia Civil e o MP-RJ pediram à Justiça outras medidas cautelares, que já foram aceitas. Ela está impedida de ter contato com testemunhas do caso, não poderá se locomover fora da cidade em que reside ou de Brasília, onde exerce o mandato, terá o passaporte recolhido e também não poderá mudar de residência.

Rachadinha. Durante as investigações do assassinato do pastor, a polícia também se deparou com supostos indícios de crime de "rachadinha" no gabinete de Flordelis. "A Rayane ( dos Santos Oliveira, neta de Flordelis presa na manhã desta segunda por envolvimento no assassinato), quando foi pra Brasília, foi com a promessa de ganhar R$ 15 mil por mês como assessora parlamentar, mas a gente tem documentação nos autos que mostram que estaria recebendo R$ 2,5 mil", contou o delegado, citando ainda a ocorrência de "nepotismo direto e cruzado".

Repercussão. Em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), disse que a Casa vai analisar se houver pedido judicial de afastamento da deputada Flordelis (PSD-RJ) ou outra medida, o que até agora não ocorreu. Segundo Maia, "este é um crime que não tem relação com o mandato". "Não existe foro especial para o caso, que está sendo objeto de processo na primeira instância da Justiça, mas de prerrogativa", disse.

Segundo a Agência Câmara, para que a deputada seja presa ou afastada do mandato, é preciso autorização do Legislativo. "Se o Judiciário pedir o afastamento, vamos decidir. Em relação ao processo, tenho de analisar para que a Câmara avalie que providências tomar", disse Rodrigo Maia.

O presidente do PSD nacional, Gilberto Kassab, informou, em nota, que o partido estudará a expulsão da deputada Flordelis dos Santos Souza (PSD-RJ), a partir dos desdobramentos perante a Justiça. Segundo o presidente da legenda, o partido trabalha para a suspensão imediata da filiação de Flordelis.

"O PSD esclarece que desde o início acompanhou o caso citado e defendeu o andamento e aprofundamento das investigações. Diante do indiciamento da parlamentar, o corpo jurídico do partido adotará as medidas para a suspensão imediata de sua filiação e, a partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros", informou Gilberto Kassab.

Acusação

"Ela fala: 'Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus', e então resolve matar."

"Era feito de forma sucessiva, gradual, cumulativa, para conduzir à morte do pastor. ( Era usado) veneno, notadamente arsênico."

"Ela, além de arquitetar todo esse plano criminoso, financiou a compra da arma, convenceu pessoas a praticar esse crime, avisou sobre a chegada da vítima ao local, e ocultou provas. Não resta a menor dúvida, de que ela foi a autora intelectual."

Allan Duarte

TITULAR DA DIVISÃO DE HOMICÍDIOS DE NITERÓI, ITABORAÍ E SÃO GONÇALO