O Estado de São Paulo, n.46334, 26/08/2020. Política, p.A8

 

STF vê parcialidade de Moro e sentença de ex-juiz é anulada

Paulo Roberto Netto

Rafael Moraes Moura

26/08/2020

 

 

Segunda Turma invalida decisão no caso Banestado; mesmo colegiado vai julgar suspeição do ex-magistrado em processo que condenou Lula

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou ontem uma sentença do ex-juiz e ex-ministro de Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro no caso Banestado, que mirou esquema de evasão de divisas entre 1996 e 2002. A atuação de Moro foi considerada parcial pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que já sinalizaram que podem votar dessa forma em um pedido de suspeição do ex-juiz proposto pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Previsto para ser julgado até o fim de outubro, o caso do petista também será analisado pela Segunda Turma. No julgamento de ontem, Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra a parcialidade de Moro no caso Banestado. Ambos costumam dar decisões a favor da Lava Jato. O quinto integrante da Turma, Celso de Mello, se ausentou devido a uma licença médica. Em 2013, o decano havia sido voto vencido ao considerar Moro parcial em outro caso do Banestado, em que advogados de um réu disseram ter tido telefones grampeados irregularmente.

Quando um placar fica empatado, como no julgamento de ontem, o resultado deve favorecer o réu. O recurso foi apresentado pela defesa do doleiro Paulo Roberto Krug, condenado com base na delação premiada de Alberto Youssef, delator do Banestado que voltaria a fazer acordo com a Justiça na Operação Lava Jato. O doleiro alegou que o ex-juiz auxiliou na produção de provas durante a fase investigativa do caso, o que é proibido. Além disso, relatou que documentos anexados no processo após as alegações finais da defesa foram usados na sentença de Moro, o que impediu a defesa de rebatê-los.

Em nota, o ex-ministro afirmou que sempre agiu "com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado". "Foi uma atuação regular, reconhecida e confirmada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora recebeu um julgamento dividido no STF."

Gilmar afirmou que Moro atuou como um "reforço da acusação" ao produzir provas sem pedido do Ministério Público. "O juiz ultrapassou o papel de mero homologador (do acordo de delação) e atuou como parceiro do órgão da acusação na produção de provas que seriam utilizadas como base para a sentença."

Lewandowski afirmou que "coisas muito estranhas" aconteceram em Curitiba e que cabe ao Supremo "lançar um olhar mais verticalizado" sobre "determinados processos". O ministro disse que um juiz imparcial é "mais grave do que a corrupção" e pode levar a autoritarismo. "Não se trata de uma simples incorreção da atividade judicial, mas uma evidência de que o magistrado atuou concretamente para a produção provas com unidade de desígnios em relação ao Ministério Público."

Delações. Em outro julgamento, a Segunda Turma decidiu que réus delatados têm o direito de contestar o uso de acordos de colaboração premiada em ações penais que os atinjam. A posição do colegiado contrasta com o entendimento do plenário, que em 2015 decidiu que apenas delatores e o Ministério Público podem questionar as delações. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estadão/broadcast, o entendimento abre possibilidade para que outros investigados acionem a Justiça para anular o uso de delações em apurações em curso. O processo analisado não tinha relação com a Lava Jato. O caso analisado era de um ex-auditor do Paraná acusado de ocultar fatos e mentir para a Justiça. O acordo de delação dele foi rescindido, mas depois a Justiça aceitou uma nova delação.

Evidência

"Não se trata de simples incorreção da atividade judicial, mas evidência de que o magistrado atuou para a produção provas."

Ricardo Lewandowski

MINISTRO DO STF