O Estado de São Paulo, n.46334, 26/08/2020. Política, p.A10

 

Pioneiro no jornalismo ambiental, deu voz e rosto aos indígenas

26/08/2020

 

 

Washington Novaes teve passagens pelas maiores redações do País, entre elas a do 'Estadão', onde escreveu até 2019

WASHINGTON NOVAES - 1934/2020

Morreu na noite de anteontem, aos 86 anos, o jornalista Washington Novaes, um dos pioneiros na cobertura de meio ambiente e povos indígenas no Brasil. Novaes não resistiu a complicações de uma cirurgia para a retirada de um tumor no intestino, descoberto em março ."Eu emeus irmãos ficamos órfãos de um pai extremamente generoso, mas acho que também muita gente fica órfã de uma referência para o jornalismo brasileiro, um pioneiro do jornalismo ambiental que trouxe para agrande comunicação as pautas ambiental e da defesa dos povos indígenas", disse ao Estadão o cineasta Pedro Novaes. Além de Pedro, Novaes deixa os filhos Marcelo, Guilherme e João, a mulher, Virgínia, e sete netos.

Novaes passou pelas principais redações do País, como O Estado de S. Paulo, Veja, Folha de S.paulo, TV Globo, como editor do Jornal Nacional e do Globo Repórter, Rede Bandeirantes e TV Cultura. No Estadão, publicou artigos na seção Espaço Aberto entre 1997 e 2019. Em texto de outubro de 2018, com o título "O clima esquenta, a agropecuária sofre", escreveu: "Aquecimento global, atingindo todos os continentes, todos os países, todos os viventes, não é problema que possa ser enfrentado apenas sacudindo os ombros e seguindo em frente com um assovio. Os preços são altos. Por mais que os 'céticos do clima' neguem os efeitos desastrosos, eles estão diante dos olhos de quem queira ver. E afetam o bolso dos produtores".

Seu último texto no Estadão foi publicado em 11 de janeiro do ano passado, logo no início da gestão Jair Bolsonaro, que, em um de seus primeiros atos, transferia, via Medida Provisória, a Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura ( a decisão foi depois revertida e o órgão indigenista permaneceu no Ministério da Justiça). "Os defensores de causas indígenas consideram a decisão do presidente da República sobre essa transferência de competências uma 'declaração virtual de guerra', uma vez que, no seu entender, estão na agricultura os seus maiores opositores", escreveu.

"Suas colunas no Estadão eram verdadeiras aulas de meio ambiente que invariavelmente constrangiam os poderosos indiferentes à causa do desenvolvimento limpo, inteligente e sustentável. Suas séries de TV (especialmente as que revelaram o universo cultural dos indígenas do Xingu e o pesadelo do acúmulo de lixo no planeta) inspiraram muita gente a pensar e agir de outro jeito", afirmou o jornalista André Trigueiro, editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globonews. "O Brasil perdeu o mais importante pioneiro do jornalismo ambiental."

Em 2002, Novaes lançou o livro A Década do Impasse, uma compilação de 82 artigos escritos entre abril de 1988 e junho de 2002 sobre temas como a perda de recursos naturais, água e saneamento, energia, mudanças climáticas e os biomas brasileiros, em especial a Amazônia.

O jornalista Fernando Gabeira destaca a profundidade com que o colega tratava dos temas que abordava. "Ele fazia muita pesquisa. Os artigos que escrevia eram realmente trabalhados, acrescentavam muitos conhecimentos. Era uma grande figura humana."

Novaes conquistou o Prêmio Esso Especial de Ecologia e Meio Ambiente, em 1992, por artigos sobre a Eco-92 publicados no Jornal do Brasil, e a medalha de prata no festival de Cinema e TV de Nova York, em 1982, pela direção do documentário Amazonas, a Pátria e a Água, veiculado pelo Globo Repórter.

Um dos trabalhos mais conhecidos do jornalista é a série documental Xingu – A Terra Mágica, que ganhou prêmios em Cuba e na Coreia do Sul, sendo selecionado para a Sala Especial da Bienal de Veneza, em 1986. Pioneiro no pagamento de direitos de imagens aos indígenas brasileiros, Novaes, juntamente com o cineasta Lula Araújo, foi responsável por produzir cenas que deslumbraram o País. Foram dois meses de gravação em 1984, quando a equipe desbravou costumes e ajudou a criar celebridades internacionais, como o cacique Raoni. Mais de duas décadas depois, em 2006, o jornalista e o cineasta voltaram ao local e, testemunhas de mudanças, filmaram cenas e personagens que haviam encontrado antes para o documentário Xingu, A Terra Ameaçada.

"Graças ao Novaes, os índios brasileiros ficaram conhecidos no mundo", afirma Lula Araújo.

Novaes teve uma breve passagem em cargo público – ocupou, entre 1991 e 1992, a Secretaria de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal.

Nascido em Vargem Grande do Sul (SP) em 3 de junho de 1934, o jornalista morava em Goiânia. "Espero que nesse momento trágico que a gente está vivendo em todos os sentidos – político, social, sanitário, ambiental e para os povos indígenas – que o exemplo dele possa, de alguma forma, guiar a gente um pouco nessa reconstrução do nosso País", disse o filho Pedro.