O Estado de São Paulo, n.46335, 27/08/2020. Política, p.A14

 

Câmara dá aval para novo tribunal federal em Minas

Camila Turtelli

27/08/2020

 

 

Projeto era bandeira do presidente do STJ, que deixa o cargo hoje; Maia critica criação de estrutura em meio à contenção de despesas

A Câmara deu aval ontem à criação do Tribunal Regional Federal da 6.ª Região (TRF-6), em Minas Gerais. O projeto, de autoria do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, teve apoio da maioria dos partidos, mas sofreu críticas do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por criar uma nova estrutura em meio a discussões sobre contenção de despesas públicas. Para sair do papel, a proposta ainda precisa passar pelo Senado, onde também há resistências.

A votação dos deputados foi simbólica – quando não é contado o voto individual de cada parlamentar. Apenas Novo, Cidadania e PV foram contrários à medida. Por sugestão de Maia, o Novo ainda tentou incluir uma regra para evitar que as despesas de todos os tribunais em 2021, incluindo o TRF-6, aumentassem acima da inflação no ano que vem. A proposta, no entanto, foi rejeitada.

"Eu acho que a emenda foi pedagógica, apenas para deixar claro que haverá aumento de despesa pública", afirmou Maia, que, embora contrário, disse respeitar a opinião da maioria e descartou exigir a votação nominal.

Pelo texto aprovado, o TRF-6 seria criado apenas em 2021, após o fim do estado de calamidade pública decretado por causa da pandemia da covid-19. A proposta tem como objetivo desafogar o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, que responde por 13 Estados e o Distrito Federal. Com a separação, Minas passaria a ter jurisdição própria.

Custos. A medida prevê que o novo tribunal terá 18 desembargadores (com salários de R$ 35,5 mil cada). Para isso, 20 cargos de juízes substitutos seriam extintos. O TRF é a segunda instância da Justiça Federal. Conforme informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a despesa do Poder Judiciário em todo País no ano passado foi de R$ 100 bilhões, dos quais 90,6% foram destinados ao pagamento de pessoal.

Os defensores do novo tribunal alegam que ele não vai gerar custos. Mas um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contesta a alegação de "custo zero" da nova estrutura. Segundo análise feita pelo órgão em 2013, a criação de um tribunal em Minas custaria R$ 272 milhões (em valores da época, não corrigidos).

Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada naquele ano liberou a criação de quatro novas cortes regionais no País – além de Minas, Paraná, Bahia e Amazonas. Mas os deputados só viram urgência neste momento na criação do TRF em Belo Horizonte.

A criação do tribunal em Belo Horizonte foi aprovada pelo STJ em setembro do ano passado e é bandeira de Noronha, que é mineiro. Ele, que deixa o cargo de presidente do tribunal hoje, tinha como meta aprovar a proposta no Congresso.

O projeto avançou em maio após o Centrão, alinhado ao presidente Jair Bolsonaro, pressionar para que entrasse na pauta da Câmara. Na presidência do STJ, como mostrou o Estadão em junho, Noronha atendeu aos interesses do governo em 87,5% das decisões individuais.

Foi do magistrado, por exemplo, a liminar que desobrigou Bolsonaro a apresentar exames de coronavírus em ação movida pelo Estadão. Noronha também concedeu no mês passado prisão domiciliar ao ex-assessor Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar. Os dois são investigados no caso da "rachadinha" no gabinete do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O presidente do STJ nega que o TRF-6 seja um projeto pessoal. Na proposta, ele diz que o tribunal terá "estrutura inovadora, com as mais modernas técnicas de gestão e utilizará secretarias que atualmente atendem juízos de primeiro grau". "Com isso não haverá alteração no orçamento da Justiça Federal."

O relator do projeto, deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), também sustentou durante a votação que não haverá custo extra para a criação do tribunal, pois serão aproveitados funcionários e prédios que já pertencem ao Judiciário. "Nem luz nem água vai aumentar."

Especialista em administração pública e governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Bernardo Oliveira Buta discorda. Segundo ele, no curto prazo, a criação do tribunal pode não gerar custos, mas, com o tempo, haverá mais despesas com servidores, compras, entre outros itens. Ele lembrou ainda que o projeto propõe transformar 20 vagas de juiz substituto em cargos de desembargador federal. Assim, as varas ficarão sem os cargos, que deverão ser recriados em um futuro próximo.

Buta citou também um possível "efeito colateral". A demanda do tribunal vai gerar a necessidade de novos cargos em outros órgãos da Justiça, como na Defensoria Pública e no Ministério Público. Ele calcula que as mudanças que serão necessárias para a criação do TRF-6 somem R$ 30 milhões ao ano.

Autor

Procurado pela reportagem, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, não havia se manifestado sobre o novo tribunal federal até a conclusão desta edição

DIVISÃO ATUAL

O relatório Justiça em Números, divulgado anteontem pelo Conselho Nacional de Justiça, informa o custo médio dos tribunais regionais federais em 2019. O estudo apresenta o índice de despesa do tribunal por habitante, mas não revela o valor total. Na conta entram salários, benefícios e aposentadoria. Usando a mesma regra, o Poder Judiciário custa, na média, R$ 479,20 por habitante.

TRF 1ª Região

Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins

Custo: R$ 46,40 por habitante

TRF 2ª Região

Estados: Espírito Santo e Rio de Janeiro

Custo: R$ 92,90 por habitante

TRF 3ª Região

Estados: Mato Grosso do Sul e São Paulo

Custo: R$ 55,90 por habitante

TRF 4ª Região

Estados: Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina Custo: R$ 77,90 por habitante

TRF 5ª Região

Estados: Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe

Custo: R$ 47,80 por habitante