O Estado de São Paulo, n.46335, 27/08/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

As divergências na política econômica

Celso Ming

27/08/2020

 

 

Primeiramente, o "big bang", o pacote da recuperação econômica que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu para esta terça-feira, virou um big hole. Virou um buracão, porque foi adiado, apesar de tido como favas contadas, sem data prevista para acontecer. Nesta quartafeira, levou jeito de virar big mess, uma enorme bagunça, não só porque o presidente Bolsonaro mandou suspender o programa Renda Brasil, o plano de distribuição de renda mínima à população carente, peça básica no tal "big bang", mas, também, porque criticou publicamente a equipe econômica.

A justificativa do presidente para estancar tudo foi a de que não montaria um programa para "tirar dos pobres para dar aos paupérrimos". Aludiu assim à proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que os recursos para o programa viriam, em boa parte, do abono salarial, da Farmácia Popular e do seguro-defeso (ajuda aos pescadores na temporada de suspensão da pesca durante a reprodução dos peixes), que seriam extintos.

O ministro Paulo Guedes vinha criticando a imprensa pelo que entendia por alarmismo com que vinha noticiando as divergências dentro do governo.

Mas os jornalistas não estão e não vinham procurando pelo em ovo. Não são apenas divergências episódicas. Vêm de mais tempo as divergências entre a equipe econômica e os desenvolvimentistas agasalhados no governo também pelo presidente. Em abril, Paulo Guedes já havia desferido tiros de bazuca no programa Pró-brasil, patrocinado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que viria dotado com verbas públicas pouco identificáveis.

No dia 11 de agosto, quem chamou de debandada a saída abrupta de secretários do Ministério da Economia foi o próprio Paulo Guedes, que, com isso, manifestava seu inconformismo com as atitudes e pressões do resto do governo que vinham sabotando a administração da economia. Agora, é o próprio Bolsonaro que entendeu que devesse desautorizar as iniciativas que vinham sendo preparadas pela equipe econômica.

Já havia inúmeras evidências de que os programas de recuperação da economia estavam desamarrados dentro do governo. O alto risco de sabotagem foi a principal razão pela qual o ministro Paulo Guedes entendeu que devesse divulgar seu "big bang" aos poucos, como peças de um lego que se encaixariam depois. O problema é que uma peça depende da outra. Se a que viesse depois fosse suprimida, a que a tivesse precedido perderia sentido.

Essa é a razão pela qual o ministro não pode basear todo seu programa de desoneração trabalhista num tributo novo, no polêmico Imposto sobre Transações Financeiras, que corre alto risco de ser rejeitado pelo Congresso.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entendeu que a repreensão pública à equipe econômica aconteceu pelo vazamento do "big bang" à imprensa antes de obtido o consenso dentro do governo. Mas o vazamento é o jeito que a equipe econômica vem encontrando para criar fatos consumados e evitar o fogo amigo. De todo modo, o que prevalece é a bagunça.

Em política, o que parece é, já dizia o ditador de Portugal Antônio Salazar. Se o presidente Bolsonaro afirma em cerimônia pública que a equipe econômica está errada, deve ser entendido que o Posto Ipiranga já não conta com o cheque em branco com que contava antes. Talvez o presidente não confie que um seguidor da Escola de Chicago, como Guedes, seja capaz de comandar políticas assistenciais, cujo verdadeiro objetivo não seja a recuperação econômica, mas rapar voto.

É situação que adiciona mais incertezas às que vêm trazendo insegurança. Não é à toa que, à medida que foram divulgadas as críticas de Bolsonaro à equipe econômica, as cotações do dólar dispararam e a Bolsa tropeçou mais de 2,0%, como está no gráfico.