O Estado de São Paulo, n.46336, 28/08/2020. Economia, p.B5

 

CMN autoriza que BC repasse parte do lucro ao Tesouro

Idiana Tomazelli

28/08/2020

 

 

Conselho libera aporte de R$ 325 bilhões; governo queria R$ 445 bi, mas BC teme ser acusado de financiar irregularmente o Tesouro

O Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou nesta quinta-feira, 27, o Banco Central repassar R$ 325 bilhões das reservas de resultado cambial ao Tesouro Nacional para o pagamento da dívida pública.

Como adiantou o Estadão, o valor ficou abaixo do que foi pedido pelo Ministério da Economia porque o BC se mostrou resistente à operação. Em nota divulgada ontem, o conselho informou ainda que o valor a ser repassado pelo BC ao Tesouro poderá ser ampliado "caso haja necessidade".

O repasse do lucro bilionário, obtido graças à valorização expressiva do dólar e seu efeito no valor em reais das reservas internacionais, é considerado necessário para garantir ao Tesouro maior conforto na gestão da dívida pública num momento de forte aumento de gastos e maior dificuldade para o País se financiar no mercado.

Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, o Tesouro pediu inicialmente R$ 445 bilhões, mas o BC mostrou preocupação com o comportamento do balanço no segundo semestre e o risco de um prejuízo devido à volatilidade do câmbio. "Após a preocupação do BC, construímos a proposta de R$ 325 bilhões", disse.

A discussão do novo valor foi feita ainda no âmbito da Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (Comoc), que subsidia as decisões do Conselho Monetário Nacional (CMN). Segundo Funchal, a Comoc recomendou por "unanimidade" a transferência dos R$ 325 bilhões.

O BC, no entanto, teme ser acusado de financiar irregularmente o Tesouro Nacional e jogou duro nas negociações. Apesar disso, o comunicado do CMN deixou a porta aberta para a possibilidade de uma nova transferência ainda este ano, caso seja necessário.

A lei permite o repasse do lucro cambial "quando severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa" o refinanciamento da dívida pública.

Cautela. O diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra, reconheceu que houve debate em torno do montante a ser transferido, mas afirmou que o Tesouro "foi capaz de demonstrar que a conjuntura se encaixa na cláusula de restrição de liquidez". Ele citou que o BC mensurou riscos devido ao câmbio e ao fato de as reservas internacionais serem marcadas a preços de mercado, com possibilidade de lucro ou prejuízo.

O subsecretário da Dívida Pública do Tesouro, José Franco de Morais, fez questão de ressaltar que a decisão de pedir R$ 445 bilhões foi "essencialmente técnica". "O valor de R$ 445 bilhões era o cenário básico considerando necessidade. O Tesouro colocou seu objetivo, BC colocou a restrição", disse Franco. Ele rebateu questionamentos sobre a regularidade da operação. "Temos plena convicção de que" todas as condições legais estão sendo respeitadas."

O Tesouro já queimou uma parte do seu caixa com o aumento dos gastos do governo para combater a pandemia e com as condições menos favoráveis para o País emitir títulos e se financiar. Em meio às incertezas trazidas pelo novo coronavírus e seus efeitos econômicos, investidores têm cobrado taxas de juros mais elevadas para emprestar ao governo, principalmente em papéis com prazo mais longo de vencimento.

Morais já alertou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que o colchão de liquidez já caiu para um patamar muito próximo do nível mínimo de segurança, que é de três meses de vencimentos da dívida. "Em muitas vezes, nas entrevistas, eu falava em situação confortável . Os jornalistas até brincavam com isso. Obviamente, o adjetivo não é mais esse", disse Franco ao jornal.

Pedido inicial

R$ 445 bi

foi o valor inicial para o repasse pedido pelo Tesouro ao Banco Central. Segundo órgão, valor considerava 'cenário básico' de necessidade.