Correio braziliense, n. 21007, 29/11/2020. Economia, p. 7

 

Inflação não dá sinal de trégua

Bruna Pauxis 

29/11/2020

 

 

Dezembro está chegando, mas, com ele, estarão a pandemia do novo coronavírus e a inflação dos alimentos, que devem dificultar a reunião familiar nas festividades de fim de ano. Além do risco de infecção, a fartura não anda marcando presença na mesa dos brasileiros em 2020. Segundo dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Getulio Vargas (FGV), o alimento mais inflacionado, este mês, foi a batata inglesa, que sofreu alta de 26,72%, após queda de -12,20 e -5,99%, em setembro e outubro, respectivamente. Já o preço do arroz, queridinho nas mesa dos brasileiros, continua subindo, após várias altas seguidas. O grão inflacionou mais 9,32% em novembro, e o carré ou bisteca teve alta de 8,62% em novembro, quinto mês consecutivo de alta. A carne de frango, por sua vez, está no terceiro mês seguido de inflação.

André Braz, economista da FGV, explica que o preço das carnes aumentou devido aos custos para manutenção dos animais. "Tanto o porco quanto a ave são criados em confinamento e usam muito ração. A ração para aves é milho e a ração para porcos é o farelo de soja, que é a base de soja e milho, também. Esses grãos subiram mais de 80% nos últimos 12 meses", afirma. O especialista ressalta, ainda, que a desvalorização do real contribui para o aumento dos preços das carnes, visto que as exportações aumentam e sobra menos para o comércio nacional. "É a lei da oferta e da procura. Manda para fora, não tem aqui dentro, aí o preço sobe".

Entre os alimentos cujos preços caíram estão frutas e legumes. A cebola foi a mais deflacionada, com diminuição de -15,64%, após queda de -25,86%, em setembro, e -3,48, em outubro. O limão, após dois meses de alta, finalmente baixou de preço. A fruta deflacionou -7,45%, em novembro, após altas de 27,76% e 2,73%, em setembro e outubro, respectivamente. "Para os produtos in natura, temos que saber escolher os da estação", aconselha Braz. "Esses alimentos não são um desafio constante para a inflação, porque sobem desrespeitando o calendário de colheita deles. Então, na safra, estão com bons preços e na entressafra com preços altos", finaliza.

 Demanda

José Luís Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), explica que os motivos por trás da inflação são variados. "Temos uma desvalorização de câmbio acumulada ao longo deste ano de 2020, que está entre 30% e 40%, e muitos dos alimentos, como o arroz e o trigo, possuem seus preços cotados no mercado internacional. Ou seja, quando temos uma desvalorização como essa da taxa de câmbio, o preço em real desses alimentos fica mais caro", pontua.

O especialista também ressalta que o aumento de preço de alguns alimentos no mercado internacional, causado pelas compras que países como a China fizeram de maneira preventiva para aumentar estoques de comida e garantir a segurança alimentar da população em meio à pandemia, é outro fator agravante.

"Além disso, desde 2017, os estoques reguladores da Conab (Companhia Nacional de Abastecimentos) vêm sendo reduzidos. Durante o governo do Michel Temer (2016-2019) alegou-se que não valia a pena para o governo brasilerio pagar o custo de carregamento dos estoques de gêneros alimentícios e que se deveria deixar, portanto, os preços do gênero agrícola flutuarem de acordo com a oferta e a demanda".

Oreiro explica que quando ocorre aumento forte de demanda, como aconteceu no começo do ano com os pedidos de exportações do Brasil para outros países, o preço tende a subir mais do que subiria se tivesse um estoque regulador. "A política neoliberal exercitada desde o governo Temer, de redução sistemática dos estoques, tem contribuído para ampliar a flutuação dos preços do gênero agrícola", ressalta.

O economista diz, ainda, que uma alternativa para o governo seria a adoção de um imposto sobre a exportação de alimentos. "No lugar de redução de preços da tarifa de importação, seria melhor introduzir um imposto sobre a exportação, pois assim se aumenta a disponibilidade interna de alimentos, como arroz, trigo e soja, o que, no ano que vem, resultaria em uma queda no preço desses produtos; e, além disso, contribuiria para gerar receita ao governo".

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Compras bem reduzidas 

29/11/2020

 

 

Diante das frequentes altas nos preços, a doméstica Maria da Conceição Araújo, 41 anos, moradora de Luziânia (GO), diz que a única alternativa possível para as festas de dezembro é economizar. "Este ano está muito díficil, a vontade é reunir todo mundo no Natal, chamar toda a família, mas, com os riscos da pandemia e, também, com o alto preço dos alimentos, vai ser preciso evitar novos gastos. (Vamos) Ficar apenas em casa e fazer algo simples, afinal, o dinheiro é pouco e tudo o que se puder economizar já ajuda", considera.

A médica veterinária Layanne da Silva Souza, moradora de Santa Maria (DF), conta que também vai restringir o número de presentes, assim como o número de pessoas convidadas para as festividades de fim de ano. "A covid-19 continua sendo um risco, por isso, o melhor é diminuir o contato. Além disso, tudo está muito caro, alimentos, roupas, até mesmo decorar a casa de forma simples para o Natal está com um custo alto. Os presentes deste ano, por exemplo, serão somente para a minha filha e meus pais", revela.

O economista e pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) Felipe Queiroz cita o uso da criatividade para tentar contornar a inflação. "É necessário, realmente, alterar a cesta de produtos. A tendência é de que muitas famílias utilizem de certa criatividade para lidar com o aumento de preços", afirma.

A influenciadora digital Camila Dutra é dona do canal no YouTube Masterchef Baixa Renda, que possui mais de 94 mil seguidores no Instagram e conta com ideias de receitas acessíveis. Ela destaca que "a pechincha, agora, vale mais do que nunca" e sugere alternativas para uma ceia mais em conta. "Já que não podemos ter os pratos tradicionais, como o salpicão, devido à alta dos preços, podemos substituir por uma salada de batata, que é mais simples e tão deliciosa quanto", arrisca.

"Costumamos servir pastéis de linguiça toscana com molho de tomate antes da ceia, o que é uma opção prática, em conta e que serve como entrada", completa. O importante, opina, "é não deixar de comemorar uma data tão importante em um ano tão difícil". (BP* e EHP*)

*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro