O globo, n.31893, 01/12/2020. País, p. 8

 

O dia seguinte do PT

Sérgio Roxo 

01/12/2020

 

 

O resultado da eleição do último domingo intensificou articulações de grupos petistas para encurtar o mandato da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Pela primeira vez em sua história, a sigla não elegeu nenhum prefeito em capitais. O descontentamento fez com que gente do partido defendesse até que o ex-presidente Lula saia de cena e permita a renovação dos quadros.

A defesa da troca da direção está sendo liderada pelas correntes minoritárias Novos Rumos e Articulação de Esquerda. Há uma tentativa de atrair quadros da CNB, o grupo majoritário, para a causa.

— Diante dos resultados que foram muito abaixo das nossas expectativas, é importante que a gente antecipe o congresso do PT para 2021. Em função dos problemas que o partido enfrentou na eleição, temos que fazer um balanço, debater a nossa tática e renovar a direção — afirma o deputado estadual José Américo, do Novos Rumos.

Reeleita no ano passado, Gleisi tem mandato na presidência do PT até 2023. Para antecipar o congresso e mudar a direção, seria necessário a aprovação do diretório nacional, que é controlado pela CNB, a corrente da atual presidente.

Gleisi fez uma avaliação positiva do resultado da eleição. O argumento principal é que o partido manteve o mesmo número de eleitores sob o seu comando, apesar no número total de cidades, de 254, foi para 183.

CRÍTICA INTERNA

“Não se pode converter derrota em vitória. Derrota é derrota. O papel do dirigente político é o de buscar as causas das derrotas. Fora disso, é o autoengano, teimosia, obtusidade. O PT precisa voltar a ser o partido do futuro. Passado é passado”, contestou Alberto Cantalice, membro do diretório nacional e integrante da CNB, no Twitter.

Ao GLOBO, Cantalice disse que o partido deveria renovar suas lideranças e se apresentar assim ao eleitor em 2022. Ele acrescentou que não defende necessariamente a realização de um congresso partidário.

Para Cantalice, Lula, por ser a principal figura da sigla, tem relação direta com o resultado e, por isso, deveria sair de cena.

—O PT tem várias lideranças: (o ex-prefeito Fernando) Haddad, (governador) Camilo (Santanta), (o senador Jaques) Wagner, (os governadores) Rui Costa, Wellington Dias e Fátima Bezerra. Vários senadores. O Lula já deu muito para o partido. É hora de abrir espaço.

Seguindo tática defendida por Lula após deixar a cadeia em novembro do ano passado, o PT decidiu lançar candidatos no maior número possível de cidades que possuem retransmissoras de televisão. A ideia era usar o horário eleitoral para propagar o legado da sigla.

Apesar da orientação, foram feitas alianças em que a legenda abriu mão da cabeça da chapa, como em Belém, com o apoio a Edmilson Rodrigues (PSOL), que saiu vencedor, e Porto Alegre, com composição com Manuela D’Ávila (PCdoB).

Em reunião na manhã de ontem com Lula, Haddad, governadores e líderes na Câmara e no Senado, Gleisi defendeu que a tática adotada foi acertada porque o partido cresceu nas grandes cidades. Em 2016, a sigla havia disputado sete segundos turnos e agora foram 15. O PT venceu em quatro disputas no último domingo. Houve também aumento da votação em capitais, apesar de não ter sido obtida nenhuma vitória. Há quatro anos, o partido tinha conquistado apenas Rio Branco, no Acre.

Mesmo pessoas próximas a Gleisi reconhecem, porém, que o resultado foi pior do que o projetado. A expectativa era se recuperar de parte do fiasco de 2016, quando o partido perdeu 60% das prefeituras que tinha vencido quatro anos antes.

Em uma reunião de avaliação do primeiro turno, Lula havia mostrado preocupação com as derrotas do PT em São Bernardo do Campo, cidade onde vive, e Osasco, município da região metropolitana de São Paulo.

Na cidade do ABC, Luiz Marinho, que já foi prefeito por duas vezes, perdeu no primeiro turno para o atual prefeito Orlando Morando. Em Osasco, cidade em que o PT já venceu três vezes, Emídio de Souza ficou apenas em terceiro lugar.