O Estado de São Paulo, n.46337, 29/08/2020. Política, p.A4

 

STJ afasta Witzel e põe sob suspeita cúpula do Rio

Caio Sartori

Fábio Grellet

Fausto Macedo

Marcio Dolzan

Paulo Roberto Netto

Pepita Ortega

Rafael Moraes Moura

Wilson Tosta

29/08/2020

 

 

Investigação. PGR denuncia governador por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro; operação atinge vice, Cláudio Castro, e presidente da Alerj, André Ceciliano

Alvo. Ministério Público aponta participação de Wilson Witzel em irregularidades em contratos da Saúde do Estado do Rio
Denunciado por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro, o governador Wilson Witzel (PSC-RJ) foi afastado pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ. A primeira-dama Helena Witzel, o vice Cláudio Castro (PSC) e o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), foram alvo de operação. O presidente do PSC, Pastor Everaldo, foi preso.

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), foi afastado ontem do cargo por determinação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves. A decisão ordenou o afastamento por 180 dias e atendeu a pedido do Ministério Público Federal. Witzel foi denunciado pelos crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro. A subprocuradorageral da República Lindôra Araújo, que assina a acusação formal, solicitou a prisão do governador, o que não foi acolhido pelo ministro do STJ.

Além de Witzel, a primeiradama Helena Witzel, o vice-governador Cláudio Castro (PSC) e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), André Ceciliano (PT), foram alvo da Operação Tris in Idem, um desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos públicos do Executivo fluminense. O presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, foi preso temporariamente ( mais informações na pág. A14).

Eleito em 2018 tendo como um dos pilares de sua campanha o discurso contra a corrupção, Witzel – um ex-juiz federal que fazia sua estreia na política – foi acusado de obter vantagens indevidas em compras fraudadas na área da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus. A Polícia Federal cumpriu mandados no Palácio Laranjeiras (residência oficial), no Palácio Guanabara (sede do governo) e na residência do vice-governador.

A acusação e o afastamento de Witzel do cargo reforçam o contexto policial em que ficou envolvido o Executivo fluminense nos últimos anos. Cinco governadores eleitos foram presos em diferentes investigações – Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Moreira Franco, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho. Condenado a mais de 200 anos de prisão, Cabral cumpre pena em regime fechado. Os outros respondem em liberdade.

Segundo a PGR, Tris in Idem, nome da operação deflagrada ontem, é uma referência ao fato de Witzel ser o terceiro governador do Estado a utilizar esquemas ilícitos semelhantes para obter vantagens indevidas.

Ao pedir o afastamento, a investigação argumentou que o escritório da primeira-dama "foi utilizado para escamotear o pagamento de vantagens indevidas ao governador, por meio de contratos firmados com pelo menos quatro entidades da Saúde ligadas a membros da organização criminosa" para o recebimento de R$ 554,2 mil entre agosto de 2019 e maio de 2020.

Segundo os procuradores, o escritório de Helena Witzel foi "contratado para operacionalizar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais, mediante a perene atuação de Lucas Tristão (ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio) e Gothardo Lopes (empresário e exprefeito de Volta Redonda)", que foram presos preventivamente.

A PGR aponta que, a partir da eleição de Witzel, "estruturouse uma organização criminosa, dividida em três grupos que disputavam o poder mediante o pagamento de propinas a agentes públicos". Segundo os investigadores, tais grupos eram liderados por empresários e teriam loteado pastas do governo fluminense – entre elas a Secretaria de Saúde. Para levantar os recursos, foi instituída uma "caixinha da propina".

Witzel negou ilícitos em pronunciamento no Palácio Laranjeiras e se disse "vítima de perseguição política". Ele acusou a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que assina a denúncia, de perseguição e ligação com a família Bolsonaro, de quem se tornou desafeto (mais informações na pág. A12).

O afastamento de Witzel será analisado na quarta-feira pela Corte Especial do STJ – grupo composto por 15 dos 33 ministros mais antigos do tribunal. A expectativa, segundo cinco magistrados ouvidos reservadamente, é de que seja mantida a decisão de Gonçalves.

Vice. O governo do Rio será ocupado no período do afastamento de Witzel pelo vice Cláudio Castro. O governador afastado é alvo de um processo de impeachment na Assembleia do Estado. Ontem, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, revogou a decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, e manteve a comissão especial formada no Legislativo para a análise do caso (mais informações na pág. A12).

Castro assumiu como governador em exercício e se reuniu ontem com a cúpula da Segurança Pública do Estado. Ele não deu declarações à imprensa.

Desembargador. A denúncia da PGR diz ainda que o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região Marcos Pinto da Cruz atuou para cooptar Witzel e Everaldo para atuar em esquema de desvio de verbas em troca de propina.

Em delação que ajudou a embasar a denúncia, o ex-secretário de Saúde Edmar Santos diz que foi cobrado por Witzel sobre o andamento do esquema. "A cobrança feita pelo governador deixou claro, para o colaborador, que Witzel estava participando do esquema criminoso, tendo aceitado a promessa de vantagem indevida feita pelo desembargador", afirma a PGR.