O Estado de São Paulo, n.46337, 29/08/2020. Metrópole, p.A26

 

Ação verde reduz mudança climática

Giovana Girardi

29/08/2020

 

 

A adoção de medidas sustentáveis na retomada econômica pós-pandemia pode evitar metade do aquecimento global previsto até 2050

No auge da pandemia de covid-19, um meme das redes sociais fazia um alerta de que os trágicos impactos do coronavírus são só a primeira onda a nos atingir. Na ilustração, logo atrás vinha uma segunda onda maior, da recessão, e depois dela, uma maior ainda, das mudanças climáticas.

Não era uma brincadeira. Cientistas afirmam que os danos da pandemia e da crise econômica são só uma fração do que se pode esperar das mudanças climáticas que já estão em curso – essa sim considerada a mãe de todas as crises.

Mas se há alguma boa notícia nesse cenário tão catastrófico é que as três crises podem ser enfrentadas de modo interligado. Se é preciso recuperar economias, que isso seja feito de modo a tornar as sociedades mais resilientes à mudança do clima, o que de quebra pode torná-las também mais preparadas para eventuais novas pandemias.

Não é à toa que as mudanças climáticas são o principal motor por trás do movimento de retomada verde em todo mundo. O conceito prevê que os necessários novos investimentos sejam direcionados para setores que dialogam com as políticas de combate ao aquecimento global e para empreendimentos sustentáveis com baixo impacto socioambiental.

Um estudo publicado no início do mês na revista Nature Climate Change – que analisou como a paralisação da economia por causa das políticas de quarentena reduziu temporariamente as emissões globais de gases de efeito e de poluentes –, projetou que incluir medidas de políticas climáticas como parte da recuperação econômica pode trazer resultados mais permanentes e de fato desacelerar o aquecimento do planeta.

O trabalho, liderado por pesquisadores da Universidade de Leeds, no Reino Unido, comparou um cenário em que a recuperação econômica seja feita com base nos mesmos níveis atuais de investimento em combustíveis fósseis com outro em que haja fortes estímulos verdes e redução de carbono.

No primeiro, estima o grupo, o aquecimento médio do planeta provavelmente vai exceder 1,5°C já em 2050, na comparação com a temperatura pré-revolução Industrial. No segundo, seria possível evitar um aquecimento de 0,3°C até aquele ano. Como o planeta já está cerca de 1°C mais quente, os cientistas indicam que há um potencial de reduzir pela metade o nível de aquecimento nos próximos 30 anos. "As escolhas feitas agora podem nos dar uma grande chance de evitar esse aquecimento adicional. Isso pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso quando se trata de evitar mudanças climáticas perigosas", afirmou Piers Forster, principal autor do trabalho.

Não deixar o aquecimento do planeta superar 1,5°C é um marco dos esforços mundiais de combater as mudanças climáticas. Mas o plano é segurar esse aumento da temperatura até o fim do século, conforme estabelecido no Acordo de Paris.

Um estudo publicado em meados de agosto pelo WRI Brasil calculou que adotar princípios de retomada verde em infraestrutura, inovação industrial e no agronegócio podem reduzir 42% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil até 2025, na comparação com 2005. E ainda criar 2 milhões de empregos, além de acrescentar R$ 2,8 trilhões ao PIB. Essa redução de emissões é mais até do que o País prometeu fazer no Acordo de Paris, que é cortar as emissões em 37% até 2025.

Para chegar a isso, indica o estudo "Uma Nova Economia para uma Nova Era", é preciso avançar na implementação de veículos elétricos ou híbridos, ter maior eficiência do setor de construção, mais energias renováveis e uso de materiais de baixo carbono e uma agropecuária de maior produtividade. Além de também investir em restauração florestal e reduzir as pressões de desmatamento ilegal.

Metas positivas. Um grupo de pesquisadores ligados ao Instituto Climainfo, ao Observatório do Clima e ao GT Infraestrutura analisou como algumas das metas que o País assumiu pelo Acordo de Paris, assim como outras ações relacionadas com uma retomada verde inclusiva, podem ser uma resposta à crise econômica legada pela pandemia e à crise climática.

O trabalho – que será lançado em um webinar na próxima quinta-feira e foi passado com exclusividade ao Estadão –, indica que restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 (uma das metas) criaria 250 mil postos de trabalho.

Também são boas fontes de emprego as metas de aumentar a eficiência energética e a presença de fonte solar na matriz energética. "Alcançar 10% de ganhos de eficiência energética no setor elétrico até 2030 exige um investimento anual da ordem de R$12 bilhões até 2030 que, por sua vez, geram 408 mil empregos nos próximos dez anos", aponta o grupo.

Ainda em energia, eles citam um cálculo da Absolar, que representa o setor de fonte fotovoltaica no Brasil. A entidade calcula que a cada megawatt de energia solar instalado no Brasil são criados 30 empregos, ante 2,6 empregos de grandes hidrelétricas, como Belo Monte, e menos de 1 emprego em termoelétricas a gás. Empregos verdes também tendem a ser mais bem remunerados.

Outra possibilidade nesse setor é instalar placas solares em residências. Além de ser uma fonte mais limpa, o grupo calcula que investir R$ 1,05 milhão ao longo de três meses em energia solar distribuída permite instalar sistemas fotovoltaicos completos em mais de 260 mil residências de baixa renda, criando 6.300 empregos no curto prazo.

"Priorizar investimentos em alguns setores-chave cria empregos, crescimento econômico e melhora da qualidade de vida da população, além de reduzir as emissões dos gases responsáveis pela crise climática", escrevem os autores. Eles indicam ações que podem começar a ser implementadas no curto prazo e afetem a maioria.

A proposta, explica Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Climainfo, é que os recursos públicos que já estão sendo liberados para recuperar a economia e empregos não sejam direcionados apenas para algumas empresas e setores. "Em vez de dar dinheiro para salvar atividades econômicas que nos trouxeram à atual situação, a ideia é poder salvar as pessoas e ainda ter benefício climático", afirma o coordenador do trabalho.