O globo, n.31893, 01/12/2020. Economia, p. 22

 

TCU deve autorizar que ministérios empenhem despesas para outro ano

Geralda Doca

Manoel Ventura 

01/12/2020

 

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) deve autorizar, na sessão de amanhã, que os ministérios empenhem despesas no exercício corrente para pagá-las apenas no ano seguinte, via o que é chamado tecnicamente de “restos a pagar.” Essa decisão contraria uma norma do Ministério da Economia, que permite empenhar apenas os gastos que serão executados no próprio ano. A norma da Economia vinha sendo criticada por integrantes da Esplanada dos Ministérios.

O empenho é a primeira etapa da execução orçamentária. Ele é uma garantia de que o governo pagará por um produto ou serviço. Vem sendo comum o governo fazer uma série de empenhos ao fim do ano, mas que só serão pagos no ano seguinte. Em 2020, o governo já desembolsou R$ 106,9 bilhões em restos a pagar. Nos últimos anos, a equipe econômica tem tentado reduzir o total de despesas inscritas em restos a pagar.

A decisão do TCU deve liberar o governo para empenhar os R$ 6,1 bilhões, compostos majoritariamente por obras, valor aprovado recentemente pelo Congresso. O principal beneficiário deve ser o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), chefiado por Rogério Marinho, com quem Guedes tem desavenças públicas. Esse dinheiro também foi autorizado como parte das negociações do governo com o Congresso. Para integrantes da área política, a dificuldade em empenhar os gastos estava atrapalhando o andamento da pauta prioritária do governo na Câmara e no Senado.

MINISTRO DO TCU FAZ CRÍTICAS

O MDR é o principal beneficiado porque tem um número elevado de convênios, que precisam ser empenhados para que a parceria seja executada.

O dinheiro, porém, não será pago fora do teto de gastos, que limita as despesas da União. Aumentar os restos a pagar de um ano para o outro pressiona o Orçamento, porque se trata de mais uma despesa sujeita ao teto que irá competir com outros gastos.

Para liberar a manobra, técnicos do TCU avaliam que a equipe de Guedes está aproveitando uma recomendação anterior da Corte para “asfixiar” os ministérios, sendo o principal deles a pasta comandada por Marinho, que tem atuado em campo oposto a Guedes.

O TCU foi acionado pela Advocacia-Geral da União (AGU). A expectativa é que a decisão da Corte deixe claro que a recomendação anterior não tem esse alcance todo. Para uma fonte do Tribunal, a pasta da Economia tratou uma recomendação genérica do TCU como uma ordem.

Procurado pelo GLOBO, o ministro relator das contas públicas no TCU, Bruno Dantas, disse que o governo tenta “arrastar” o tribunal para seus conflitos internos:

—Nosso papel é velar pela fiel observância da Constituição e das leis, especialmente a de responsabilidade fiscal. Infelizmente, o que temos visto em muitos casos é o governo tentar arrastar o TCU para arbitrar suas contradições internas, uma função que não é nossa.

Procurado, o MDR não comentou. Segundo uma fonte na pasta, o problema de limitar o empenho ao que será executado no exercício é a falta de garantia de que haverá previsão orçamentária no ano subsequente para a continuidade da obra.

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Dívida pública atinge patamar recorde de 90,17% do PIB 

Gabriel Shinohara

01/12/2020

 

 

A dívida pública brasileira aumentou em outubro, pelo décimo mês consecutivo, e atingiu 90,7% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 6,57 trilhões, informou ontem o Banco Central. A relação dívida/PIB é a maior da série histórica do BC, iniciada em dezembro de 2006.

O endividamento vem subindo desde janeiro, mas acelerou a partir de março, já com os primeiros impactos da crise da Covid-19 na economia e a consequente necessidade de elevar os gastos.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, projeta que a dívida continue crescendo e termine o ano em 93,1% do PIB — abaixo da estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 101,4%. Em outubro, o governo estimou que a dívida poderia passar dos 100% em 2025.

O dado considera a dívida pública bruta, que compreende o governo federal, o INSS e os governos estaduais e municipais. É acompanhado de perto pelo mercado financeiro, para medir a capacidade do país de pagar suas dívidas.

Em dezembro de 2019, a relação dívida/PIB estava em 75,8% e subiu em todos os meses desde então, passando em setembro de 90% pela primeira vez na História. Só este ano, o aumento foi de 15 pontos percentuais. Segundo o economistachefe da Guide, João Rosal, o crescimento mais lento da relação dívida/PIB em outubro (de agosto para setembro subiu 1,8 ponto) deve-se a dois fatores: um resultado fiscal que veio melhor do que o esperado e a estimativa de crescimento do PIB:

— Estávamos na expectativa, desde março, que os incentivos fiscais tivessem natureza temporária. Daqui até janeiro é entendermos o que realmente vai ser temporário. A outra questão é sobre a atividade econômica, de como ela vai reagir.

GASTOS DE FIM DE ANO

A preocupação com a trajetória da dívida pública causou conflitos na equipe econômica na semana passada. Depois de o presidente do BC, Roberto Campos Neto, dizer que o governo precisava mostrar que tinha um plano para a situação fiscal do país, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que havia um plano e que Campos Neto sabia disso.

Depois desse mal-estar, ambos conversaram e, segundo interlocutores, a relação entre os dois já estava “tranquila”.

Mas, apesar do aumento no endividamento, o BC registrou o primeiro superávit nas contas públicas desde janeiro. O resultado positivo de R$ 3 bilhões em outubro deveu-se principalmente à melhora nas contas do governo central (que inclui governo federal, BC e INSS), que havia registrado déficit de R$ 75,1 bilhões em setembro, caindo a R$ 3,2 bilhões em outubro.

O resultado positivo nas contas ainda foi auxiliado pelos resultados dos governos regionais (estados e municípios) e das estatais, com saldo de R$ 5,2 bilhões e R$ 998 milhões, respectivamente.

Segundo o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, houve tanto uma redução dos gastos (caso do auxílio emergencial, que passou de R$ 600 para R$ 300), como aumento de 9,5% na arrecadação, devido à retomada da atividade econômica.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, no entanto, espera novos déficits em novembro e dezembro, por conta de despesas sazonais, como o 13º do funcionalismo, e de uma arrecadação menor que a de outubro.