Título: Cidades sob risco de desaparecer
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 20/09/2008, Opinião, p. A8
ÀS VÉSPERAS DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS, mais um impasse marca as relações entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. A Corte encontra-se prestes a exigir dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado logo que as Casas voltem a realizar sessões deliberativas um "esforço concentrado" inusitado. O conflito tem origem na queixa prestada pelo presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que em ofício enviado ao presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse não ter sido formalmente avisado da decisão do tribunal, de maio do ano passado, segundo a qual se o Congresso não aprovar até abril a lei complementar sobre a criação de novos municípios prevista na Emenda Constitucional nº 15 de 1996 mais de 50 deles poderão desaparecer do mapa. Criados sob lei estadual, 57 municípios como é o caso de Mesquita, na Baixada Fluminense poderão ser extintos. A proximidade das eleições municipais agrava o contexto. Tais cidades podem, em tese, eleger prefeitos e vereadores no próximo mês e, no que vem, simplesmente desaparecerem. A possibilidade de extinção assombra municípios criados por lei estadual depois de 12 de setembro de 1996, quando aprovada a Emenda Constitucional nº 15. Estados eram proibidos de criarem municípios antes da edição de uma lei complementar federal para regulamentação. Apesar disso, assembléias estaduais continuaram aprovando a criação de pequenos distritos em cidades. Em reação às críticas dos parlamentares ao prazo imposto pelo Supremo para que o Congresso legisle sobre a criação de novos municípios, o presidente da Corte, Gilmar Mendes, acusou o Legislativo de não cumprir a determinação. Presidentes e líderes do Parlamento, por seu lado, vêm se insurgido de forma recorrente contra o que consideram uma tendência crescente do STF de extrapolar suas competências, passando a "legislar". Sobre tudo, argumentam, quando toma decisões relativas à omissão do Legislativo, como ocorreu no caso-piloto da regulamentação do direito de greve dos funcionários públicos, para os quais passaram a valer, por analogia, limites fixados da lei de greve para o setor privado. O anúncio do presidente da Câmara de que o Legislativo possui discricionaridade para decidir e não pretende incluir o assunto na pauta em breve provocou indiferença no ministro Gilmar Mendes. "Se não fizer nada, o problema está solucionado. Os municípios desaparecem", enfatizou o chefe do Supremo. O Congresso, portanto, continua a dever a norma legal. Chinaglia parece se esquecer que foram os constituintes que instituíram, na Lei Maior, o mandado de injunção (artigo 5º, inciso 71) e o dispositivo segundo o qual "declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias" (artigo 103). E, ainda, que o Congresso, em 1999, aprovou a Lei 9.868, que prevê: "Ao declarar a inconstitucionalidade de lei, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado". Foi o que ocorreu, em maio do ano passado, quando o STF deu sobrevida aos municípios criados por leis estaduais depois da EC nº 15. E o paradigma foi uma ação de inconstitucionalidade por omissão proposta pelo PT partido do presidente da Câmara contra a lei estadual que criou, em 2000, o município de Luiz Eduardo Magalhães (BA), ex-distrito de Barreiras. O Supremo não legislou. Foi o Congresso que deixou de fazer seu principal dever de casa.