O Estado de São Paulo, n.46338, 30/08/2020. Política, p.A9

 

Think tank quer ampliar discussão sobre Defesa

Ricardo Galhardo

30/08/2020

 

 

Centro de estudos busca debater temas militares com sociedade civil e academia

O ex-embaixador do Brasil em Washington (EUA) Rubens Barbosa e o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann pretendem lançar nas próximas semanas o Centro de Defesa e Segurança Nacional, o primeiro think tank voltado a debater e formular propostas para a área da defesa no Brasil. O objetivo, segundo os idealizadores, é aproximar a sociedade civil, academia e a classe política de temas que, ao longo das últimas décadas, ficaram restritos aos militares.

Jungmann usa o que chama de descaso em relação ao Plano Nacional de Defesa (PND) – documento que deveria nortear as estratégias brasileiras para o setor a cada quatro anos com aprovação do Congresso – como exemplo da alienação geral em torno do tema. "O PND de 2016 foi enviado ao Congresso no dia 18 de novembro e aprovado somente dois anos depois, em dezembro de 2018. Não se fez uma audiência. Não houve um debate. Foi aprovado por voto simbólico", afirmou o ex-ministro.

De acordo com Barbosa, a necessidade de ampliar o debate sobre defesa aumentou ainda mais nos últimos anos com o crescimento das tensões entre EUA e China. "Estamos saindo de um período de 20, 30 anos em que não havia confrontação entre superpotências. Agora temos duas superpotências competindo e não por razões ideológicas ( como foi a Guerra Fria entre EUA e União Soviética). Vamos discutir isso. Qual é o risco que existe? A formulação da nossa estratégia está adequada aos tempos que estamos vivendo? É essa discussão que queremos fazer", disse o diplomata.

Segundo Barbosa, a discussão sobre defesa hoje no Brasil é restrita às Forças Armadas e setores do Itamaraty. Sem a participação dos agentes políticos e da sociedade civil, o debate fica preso a temas militares, como a possibilidade de conflitos, enquanto outros tópicos ligados ao tema, como segurança energética, criação de uma base industrial de defesa, inovação tecnológica e segurança cibernética, presentes no cotidiano e na vida civil em quase todas as grandes nações do mundo, são relegados ao segundo plano.

"É incrível até hoje a gente não ter um fórum para discutir defesa de maneira desapaixonada no Brasil. Precisamos aprender com os países desenvolvidos, sobretudo os EUA, a financiar pesquisa de inovação para a área militar, que terá consequência na área civil. O computador nasceu de pesquisa militar", exemplificou Barbosa.

A chegada ao poder de um excapitão do Exército, Jair Bolsonaro, e a forte presença de militares no governo também fazem parte do novo cenário que, de acordo com os idealizadores do think tank, impõe ampliar as discussões sobre o tema. Um deles

"É incrível até hoje a gente não ter um fórum para discutir defesa de maneira desapaixonada no Brasil. Precisamos aprender com os países desenvolvidos."

Rubens Barbosa EX-EMBAIXADOR

é a relação entre civis e militares. Cerca de duas semanas atrás o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), levantou a questão ao propor a criação de um muro institucional por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíba militares da ativa de ocuparem cargos no Executivo.

Alinhamento. Outros temas recentes, ligados ao governo Bolsonaro, que o Centro pretende discutir são o novo status da Amazônia no contexto global e as contradições entre as alas militar e ideológica do governo. Barbosa criticou o alinhamento automático do Brasil aos EUA, defendido por setores do governo.

Para romper o fosso que separa a sociedade civil do debate sobre a defesa nacional, o Centro pretende promover cursos de capacitação e formação. No primeiro momento, vai apresentar quatro programas: estudos e pesquisas em globalização, defesa e segurança nacional e regional; laboratório de tendências em inovação, tecnologia e mercados; criação de uma cátedra lato sensu em Defesa e Segurança Nacional, economia de defesa e segurança e analistas e gestores em defesa e segurança, além da publicação de trabalhos, pesquisas, estudos, textos, ensaios e monografias.

A captação de recursos será via contribuições, doações de entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais, além da prestação de serviços de assessoramento, estudos e pesquisas.

PARA LEMBRAR

Pasta deverá ter mais verba

O governo de Jair Bolsonaro prevê reservar R$ 5,8 bilhões a mais no Orçamento do ano que vem para despesas com militares do que com a educação no País, como mostrou reportagem do Estadão publicada neste mês. Segundo a previsão, a Defesa terá um acréscimo de 48,8% em relação ao orçamento deste ano, passando de R$ 73 bilhões para R$ 108,56 bilhões em 2021 – e verba do Ministério da Educação (MEC) deve cair de R$ 103,1 bilhões para R$ 102,9 bilhões.

A proposta do Orçamento elaborada pelo Ministério da Economia deve ser enviada até amanhã ao Congresso Nacional.