O globo, n.31894, 02/12/2020. Sociedade, p. 13

 

Quem se vacina primeiro?

02/12/2020

 

 

O Brasil ainda não possui vacinas em mãos e nenhuma foi aprovada até agora, mas o governo federal já definiu que profissionais de saúde e idosos acima de 75 anos deverão estar no primeiro grupo a ser vacinado contra Covid-19.

O plano preliminar do Ministério da Saúde prevê a vacinação em quatro fases, e um contingente de 109,5 milhões de brasileiros imunizados em duas doses. A imunização de grupos prioritários será feita de acordo com a disponibilidade de vacinas.

A expectativa da pasta é começar a imunização em março —isso dependerá, no entanto, da aprovação de alguma vacina pela Anvisa. Os grupos prioritários podem variar segundo a quantidade de doses adquiridas.

A primeira fase deve incluir, além das pessoas acima de 75 anos e profissionais de saúde, aqueles com mais de 60 que residam em instituições de longa permanência e a população indígena (veja mais no quadro ao lado).

Não foi divulgado um cronograma. A pasta apresentou um plano geral, mas que leva em consideração as especificidades das vacinas que estão em fase final de pesquisas, como a desenvolvida por Oxford em parceria com a AstraZeneca, além de duas das nove que compõem o consórcio Covax Facility.

O GLOBO apurou que o ministério não definiu ainda a quantidade de insumos (como seringas) e salas de vacinação necessárias para a imunização em massa. O argumento é que esses pontos dependerão da quantidade de doses disponibilizadas ao país. Atualmente, o ministério diz ter fechado acordo para adquirir ou produzir 100,4 milhões de doses da vacina de Oxford e 42,5 milhões do consórcio Covax.

Em nota, a pasta afirmou que está no “processo de compra de 300 milhões de seringas e agulhas no mercado nacional para aplicação das doses, e outras 40 milhões no mercado internacional”. Um edital de compra deve ser lançado na próxima semana.

A pasta decidiu os grupos prioritários a partir de orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). A definição de quem será imunizado primeiro ainda pode mudar, de acordo com o governo.

— É um grande desafio que temos pela frente. Mas temos capacidade técnica, tempo, expertise e pessoas reunidas com vontade fazer o melhor plano do mundo — afirmou o ministro Eduardo Pazuello durante a reunião com técnicos. O ministro disse que todas as vacinas serão “consideradas”.

PRIMEIROS DA FILA

Uma conta aproximada sugere que a primeira fase de vacinação deve incluir 12 milhões de pessoas, possivelmente até 15 milhões.

O Brasil possui cerca de 500 mil médicos, e 2,4 milhões de profissionais sob as categorias de enfermeiros, auxiliares, técnicos e obstetrizes. Há ainda outros funcionários do sistema de saúde e equipes em áreas de apoio, como transporte e manutenção, para os quais o Ministério da Saúde ainda não detalha inclusão no plano. Só no SUS, a Fiocruz estima que haja 3,5 milhões de profissionais de saúde.

Idosos acima de 75 anos são 7,6 milhões de pessoas, e no último censo nacional (de 2010), o Brasil tinha cerca de 0,5% da população se declarando indígena. Caso a proporção se mantenha, há 1 milhão de pessoas nesse grupo populacional agora. A população de asilos e instituições afins não tem censo recente do IBGE.

O comunicado do Ministério da Saúde fala em aquisição de 100,4 milhões de doses de vacina da AstraZeneca, suficientes para vacinar entre 50 milhões e 65 milhões de brasileiros, a depender do regime de dosagem (duas doses ou uma dose e meia por pessoa). Outros 42,5 milhões de doses de vacina viriam via Covax.

A nota não menciona os 46 milhões de doses da CoronaVac que o Instituto Butantan vai importar e produzir em parceria com a chinesa Sinovac. Essa vacina, porém, ainda não possui dados preliminares de eficácia que permitam seu registro. O Butantan estima que até dia 15 de dezembro deve ter uma resposta.

DOSES EXTRAS

Não está claro ainda qual vacina entraria no país via Covax. Os únicos imunizantes do programa que já têm eficácia estimada são o da AstraZeneca (para o qual o Brasil já fechou acordo) e o da americana Moderna.

O ministério diz estar em conversação com vários laboratórios testando vacinas em estágio final, incluindo a russa, do Instituto Gamaleya. O GLOBO contatou Pfizer, Janssen e Moderna ontem para saber qual poderia ser a capacidade de entrega dessas outras vacinas para o Brasil, mas não obteve resposta até o fim do dia.

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Vacina da Pfizer pode ficar fora dos planos do Brasil

Maurício Ferro 

02/12/2020

 

 

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, afirmou ontem que a pasta deseja uma vacina “preferencialmente” armazenável em temperaturas de 2 a 8°C. A vacina da americana Pfizer, desenvolvida em parceria com a alemã BioNTech, não se enquadra nesse perfil, já que tem de ser guardada a -70°C.

A declaração de Medeiros, que não citou qualquer farmacêutica, pode ser um indicativo de que a vacina da Pfizer está fora dos planos do governo. O Ministério da Saúde, no entanto, vem afirmando que acompanha os ensaios clínicos e priorizará o imunizante que receber o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que avalia a segurança e eficácia dos produtos.

Ao dizer que é desejável que a vacina seja “fundamentalmente” termoestável em temperaturas positivas, Medeiros também destacou que a pasta prefere um imunizante em dose única:

— O que nós queremos de uma vacina? (…) Que idealmente ela seja feita de dose única, embora muitas vezes isso talvez não seja possível, só seja possível em mais de uma dose, mas que ela seja fundamentalmente termoestável por longos períodos, em temperaturas de 2ºC a 8ºC graus — disse. — Por quê? Porque a nossa rede de frios, nessas 34 mil salas, é montada e estabelecida com uma rede de frios de aproximadamente 2°C a 8°C.

O imunizante da Pfizer só consegue permanecer por cinco dias a temperaturas dentro do padrão desses refrigeradores, que são semelhantes a geladeiras comuns. A farmacêutica já havia informado que poderia fornecer equipamentos necessários para a manutenção das doses, sem dar detalhes.

Já no âmbito da dosagem, a incerteza é ainda maior. A única vacina candidata com acordo firmado pelo Ministério da Saúde, desenvolvida pela farmacêutica britânica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido), foi desenvolvida com base em duas doses.

O imunizante da Moderna, que faz parte da Covax Facility, iniciativa coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da qual o Brasil é signatário e elegível para receber doses, pode ser refrigerado nas temperaturas apontadas como ideais pelo secretário Arnaldo Medeiros. Apenas o armazenamento por mais de 30 dias precisaria ser feito a -20°C. No entanto, os testes clínicos também foram desenhados visando uma dose dupla.

Ontem, a Pfizer e a BioNTech informaram que solicitaram ao regulador de medicamentos da Europa autorização para o uso emergencial de sua vacina no continente. As duas companhias submeteram anteriormente pedidos semelhantes nos Estados Unidos e no Reino Unido e, na última semana, divulgaram que seu imunizante candidato é 95% eficaz contra o novo coronavírus.