O globo, n.31894, 02/12/2020. Sociedade, p. 15

 

Multas caíram enquanto desmatamento aumentou

Renato Grandelle 

02/12/2020

 

 

O número de autos de infração expedidos pelo Ibama na Amazônia despencou no mesmo período em que o desmatamento atingiu sua maior marca desde 2008.

De acordo com o site de checagem de notícias ambientais Facebook. eco, produzido em colaboração por Observatório do Clima, Greenpeace, ClimaInfo e Agromitômetro, o Ibama aplicou 1.964 multas por irregularidades cometidas contra a flora entre agosto de 2019 a julho de 2020 na Amazônia. Nesse intervalo, a floresta perdeu 11.088 km², área nove vezes maior do que o município do Rio.

O registro de autos de infração pelos fiscais do Ibama encolheu desde maio, quando o órgão perdeu o controle sobre as ações de combate ao desmatamento pela primeira vez desde sua criação, em 1989. A função foi transferida às Forças Armadas, que enviaram cerca de 3.400 militares à floresta, por meio da Operação Verde Brasil 2.

Segundo o levantamento do Facebook.eco, o número de autos de infração é o mais baixo já registrado na luta contra a devastação da floresta: “Bateu o recorde negativo anterior, que ocorreu parcialmente sob o governo de Jair Bolsonaro: 3.403 (de agosto de 2018 a julho de 2019)”.

RETIRADA DOS MILITARES

Os militares permanecerão na floresta até abril do ano que vem. O vice-presidente Hamilton Mourão, que lidera o Conselho da Amazônia, admitiu anteontem que o órgão ainda não definiu a fonte de recursos para operações posteriores no bioma, considerando o crítico cenário fiscal do país.

Mar cio As trini, secretário executivo do Observatório do Clima, avalia que o governo “apostou todas as suas fichas” na ida do Exército à Amazônia, mas falhou na tentativa de conter o desmatamento. No entanto, a retirada das tropas sem a apresentação de um novo plano pode piorar ainda mais o cenário.

— O governo jogou os números do desmatamento na mesa e disse: “se virem, porque não temos plano para enfrentar o problema”. Os índices são ruins, a perspectiva é pior ainda — afirma.

— De qualquer forma, não se pode tirar uma força como o Exército em abril, quando começa o período mais crítico de devastação na floresta. Deixá-la vazia seria terrível.

Em maio, a ONG Human Rights Watch acusou o governo federal de sabotar ações do Ibama, ao estabelecer, em um decreto em outubro, novos procedimentos que permitiriam a revisão de multas, ou mesmo sua anulação. Esse processo ocorreria por audiências de um núcleo de conciliação ambiental. Até a análise de cada um, o infrator não é obrigado a seguir prazos para pagar qualquer taxa.

“Os agentes do Ibama continuam a emitir multas por desmatamento, garimpo ilegal e outros crimes ambientais, mas, em vez de emitirem a multa para pagamento imediato [como ocorria antes do decreto presidencial], eles notificam os infratores sobre uma audiência que pode nunca ocorrer”, alertou a HRW.

O Observatório do Clima obteve, via Lei de Acesso à Informação, um documento em que o Ibama declarou ter agendado“estimativamente ”7.205 audiências de conciliação ambiental, mas apenas cinco foram realizadas, em fevereiro, e como “experiência piloto”.

Procurado pela reportagem, o Ibama afirmou que a pandemia atingiu fortemente a disponibilidade do quadro de fiscais, “que tiveram que se afas tardas operações, eque já era mais de 50% deficitário”. A assessoria de imprensa do Ministério da Defesa não foi localizada pela reportagem.