Título: Um notável momento social
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/09/2008, Opinião, p. A8
Apesar de certos limites, ou da velocidade da mudança ainda aquém do desejável, o Brasil deparou-se esta semana com um retrato auspicioso de sua realidade socioeconômica. Da extensa galeria de números divulgados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, destaque-se, de imediato, a constatação de que quase 3 milhões de pessoas deixaram a pobreza no ano passado, conseqüência do recuo da desigualdade social e do crescimento econômico. O entusiasmo, contudo, vai além.
Para um país tisnado por um histórico perverso de mazelas sociais, o estudo mostra avanços expressivos no mercado de trabalho, com mais empregos, salários maiores, formalização das vagas, assim como estampa maior acesso dos brasileiros a itens de primeira ordem, como saneamento básico. Pela primeira vez na história brasileira, a Pnad registrou acesso a rede de esgoto superior a mais da metade dos domicílios particulares do país. A partir do ano passado, cerca de 1,7 milhão de casas passaram a contar com serviços de coleta de esgoto. Mais de 51% da população ¿ 56,3 milhões de domicílios ¿ têm hoje acesso ao serviço de saneamento básico, enquanto 1,4 milhão começam a ser atendidos pela rede geral de abastecimento de água, contabilizando 83,3% das casas com água encanada.
O tão esperado recuo da pobreza ¿ que apresentou queda de 5,6% em 2007 ¿ teve, segundo o chefe do Centro de Estudos Sociais da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Néri, mais relação com a distribuição de renda do que com o crescimento da economia. Na pesquisa Miséria e a nova classe média da década da igualdade, divulgada na sexta-feira pela FGV, as contas mostram que apenas 18% da população pode ser considerada, segundo a linha da miséria estabelecida pela instituição ¿ de R$ 135.
Atrelados à diminuição dos pobres está o crescimento de 1,6% de empregos no país. O contingente de desempregados, conseqüentemente, diminui, de 8,2 milhões para 8,1 milhão de pessoas. O aumento dos postos de trabalho com carteira assinada é sinal de estabilidade e amadurecimento econômico, assim como o rendimento médio real mensal, que alcançou R$ 956, em seu terceiro ano consecutivo de crescimento.
São evidências de progresso ¿ mais modestas do que precisamos, mais relevantes do que muitos poderiam supor. O que hoje pode ser considerada uma das reduções de desigualdade mais expressivas da história é fruto de ações sucessivas, iniciadas em gestões passadas e solidificadas no governo atual. Trata-se de um crescimento marcado pela continuidade de medidas que vão desde o Plano Real, em 1994, a programas sociais atuais, como Bolsa Família.
Estamos diante de um processo, no entanto, que se encontra em passos iniciais. Se a continuidade é a marca do crescimento pelo qual passa o país, é preciso que contínuas sejam as ações que visem reduzir a desigualdade entre os brasileiros a patamares mais aceitáveis. Não é demais lembrar a observação feita pelo presidente do IBGE, Eduardo Nunes, em entrevista ao JB, de que "o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo". Parece essencial, portanto, que não nos contentemos em festejar resultados atuais e possamos lançar olhares ao futuro, quando será fundamental ampliar a velocidade da desconcentração de renda.
São enormes os obstáculos a superar. Setores essenciais, como o trabalho infantil e o analfabetismo, exibiram queda mais branda que o esperado. A do trabalho infantil foi de apenas 0,7%. No total, ainda são 5 milhões de crianças e adolescentes ocupados. O analfabetismo, que caiu de 10,4% em 2006 para 10% no ano passado, ainda é uma das maiores do continente. Países mais pobres que o Brasil vem apresentando taxas melhores ¿ um dado sobre o qual convém refletir e agir.