Valor econômico, v. 21, n. 5160, 05/01/2021. Brasil, p. A2

 

Na presidência da UE, Portugal mostra preferir Índia ao Mercosul

Assis Moreira

05/01/2021

 

 

Mesmo com preferência, acordo do Cone Sul com europeus ainda pode entrar na agenda
Portugal assumiu a presidência rotativa da União Europeia (UE) dando mais visibilidade à relação europeia com a Índia do que com o Brasil ou Mercosul, numa demonstração de sua prioridade nos próximos seis meses.
Em 37 páginas de programa na presidência da UE, Portugal cita a Índia oito vezes, o Mercosul, duas vezes e o Brasil, nenhuma. Um representante de Portugal, no fim do ano passado, ao apresentar as prioridades portuguesas, num debate no European Policy Center, um think tank em Bruxelas, não citou o Mercosul uma só vez.
Portugal aposta em particular na possibilidade de um acordo de proteção de investimentos entre a UE e a Índia. Para isso, os europeus vão realizar uma cúpula com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi em maio, na cidade do Porto.
Com o Brasil não há nada na agenda, apesar de a parceria estratégica com a UE prever uma cúpula a cada ano. A última foi em 2014, com Dilma Rousseff. A UE comprou parte da narrativa do PT sobre golpe de Michel Temer e não voltou a realizar o encontro.
Agora, tudo indica que também a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não querem ou não têm pressa em se reunir com o presidente Jair Bolsonaro, visto na Europa como uma figura tóxica.
A crítica do comissário de Economia da União Europeia, Paolo Gentiloni, ao que chamou de “imagens vergonhosas do Brasil” em meio à pandemia, ilustra como o país é visto no momento na Europa. O comentário de Gentiloni ocorreu em um momento em que o Brasil registrou aglomeração nas praias, incluindo a provocada por Bolsonaro no litoral paulista.
Para o Mercosul, Portugal diz que vai buscar “contribuir para criar as condições para a assinatura do acordo EU-Mercosul”. Certas fontes concordam que é possível que Portugal faça um esforço para chegar no fim do semestre com o acordo UE-Mercosul na agenda do Conselho da UE, em nível de ministros. Mas o cenário é difícil.
Outro elemento novo é o acordo de investimentos que a UE fechou com a China no fim de 2020. Não está claro se esse acordo e o da UE-Mercosul vão tramitar em paralelo ou competirão para eventual aprovação no Conselho da UE e no Parlamento Europeu.
De um lado, o acordo com a China desperta resistência na Europa em razão de direitos humanos. E no acordo UE-Mercosul o problema é a questão da proteção ambiental no Brasil.
Certo mesmo é que a Alemanha encerrou sua presidência da UE, de seis meses, jogando todas as fichas no acordo de investimentos com a China. Isso quando a expectativa inicial era justamente de que a chanceler Angela Merkel abriria o caminho para o acordo UE-Mercosul ser aprovado.
O acordo com a China é considerado muito mais importante do que com o Mercosul. A atração política e econômica é maior: trata-se da entrada de empresas europeias na China. No Mercosul, elas já estão presentes.

Enquanto com o Mercosul a chanceler Merkel freou o ímpeto pela assinatura do acordo, com a China ela correu riscos e enfrentou os parceiros para fechar o compromisso. A Alemanha é o país europeu que tem a maior vantagem econômica em um tratado com a China. A indústria automotiva alemã em especial espera importantes ganhos no mercado chinês.