Título: Crise no centro do capitalismo
Autor: Loureiro, Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 21/09/2008, Economia, p. E2

Quebra financeira originada nos EUA gera preocupações entre especialistas e cidadãos comuns.

Se não chegou a ser uma surpresa para os especialistas, o eclodir da crise financeira que está abalando o coração do capitalismo mundial, ao atingir em cheio a economia americana, está deixando o mundo com a respiração suspensa, diante da imprevisibilidade de seu desenvolvimento.

De repente, gigantes da finança americana sucumbiram ou estão à venda na bacia das almas, caracterizando risco concreto de um efeito dominó em que a queda de uma instituição vai arrastando outras, algo até pouco tempo impensável para a maioria da população mundial.

Na origem de tudo, uma euforia no mercado imobiliário americano, com a concessão dos chamados créditos ninja ¿ no income, no job, no assets (financiamentos a pessoas sem renda, sem trabalho, sem patrimônio), por parte de duas megainstituições financeiras, Fannie Mae e Freddie Mac.

Sem qualquer fiscalização institucional, estas duas entidades emitiam títulos com juros elevados colocados no sistema financeiro, e entraram em colapso quando o preço dos imóveis começou a cair, deixando os tomadores de empréstimos sem condições sequer de venderem os bens para quitação dos débitos.

No seu rastro, abalaram-se instituições financeiras que, na busca da maximização de lucros, compravam sem cautela no mercado de derivativos títulos hipotecários sem lastro saudável.

Um mar de dúvidas

O resultado foi algo inimaginável na terra do liberalismo econômico: para evitar a quebra em cascata de bancos que tinham boa parte de seus ativos em títulos destinados a virar pó, o governo americano simplesmente estatizou as duas instituições. Em meio a esta turbulência de acontecimentos inesperados e incertezas crescentes no horizonte próximo, as dúvidas proliferam, especialmente quanto aos reflexos da crise sobre o Brasil.

Na busca de luz sobre a questão, o Jornal do Brasil apresenta nesta edição depoimentos de diferentes especialistas e de pessoas comuns. Nosso correspondente em Nova York, Osmar Freitas Jr. fez um levantamento dos dramas pessoais que se seguiram ao furacão no mundo das finanças dos EUA. O relato é impressionante: executivos até agora bem remunerados engrossam as fileiras do desemprego, e as linhas telefônicas de emergência contra suicídios registraram 32% de aumento no número de chamadas.

Foram ouvidas também opiniões de estudiosos como o ex-ministro da Fazenda e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas Luiz Carlos Bresser-Pereira, que manifesta categoricamente: "Ao adotar esta política de socorro a instituições e estatização de ativos podres, o governo americano está sepultando de vez a ideologia neoliberal".

Que, segundo ele, até agora era mais usada como receita para males alheios, no caso os países em desenvolvimento. Quanto ao Brasil, Bresser faz coro com manifestações de que haverá efeitos, porém mais brandos, que requerem atenção do governo.

Prudência

Joaquim Levy, secretário da Fazendo do Rio de Janeiro e ex-secretário do Tesouro Nacional, destaca a necessidade de prudência no diagnóstico de uma estratégia brasileira para a ocasião, a fim de que sejam preservados os ganhos obtidos pela economia nacional a partir do ano 2000.

O professor da UERJ Luiz Fernando de Paula, doutor em economia pela Universidade de Campinas e com pós-doutorado em Oxford, acha que, em que pesem os avanços da economia, a luz amarela está acesa diante da possibilidade, ainda que remota, de uma onda especulativa contra o real, em vista da volatilidade de uma parte considerável das reservas cambiais brasileiras, compostas por capitais externos atraídos pela prosperidade dos últimos anos.

O fim de uma era

O colunista do The New York Times Thomas L. Friedman expõe a necessidade de o governo americano passar a policiar a linha tênue que separa o risco necessário das apostas loucas com o dinheiro alheio. E mostra que os americanos vivem o fim da era em que se considerava que o mercado era o grande regulador da economia.

Decadência

Diretamente de Nova York, o colunista Marcello Hallake lamenta que instituições antigas e tradicionais, descendentes indiretas ou discípulas de alguns dos gênios da finança internacional, como N.M. Rothschild e J. P. Morgan, desapareçam dessa maneira e, em muitos casos, às custas dos contribuintes.

Entretanto, mesmo no olho do furacão, Hallake não perde o otimismo: "Quem conhece um pouco Wall Stret, e tem boa memória, sabe que, da mesma maneira que as quedas costumam ser brutais e cataclismicas, os bons momentos sempre vêm com seus excessos, e, muitas vezes, de um dia para outro.

Pessoas comuns

Será que o brasileiro comum está preocupado com uma situação que, à primeira vista, pode parecer bem distante de sua realidade?

Na busca de resposta para esta pergunta, o repórter Gabriel Costa foi às ruas e constatou que, embora uma minoria não tenha conhecimento de uma crise financeira mundial, os efeitos das distorções no complexo mundo dos derivativos chegaram às preocupações do cidadão comum. Todos ressaltam algum receio quanto a reflexos indiretos no Brasil ou, pelo menos, solidariedade com a situação de uma nova legião de desempregados no mundo.