Valor econômico, v. 21, n. 5161, 06/01/2021. Brasil, p. A3

 

Incertezas turvam cenário para o PIB em 2021

Anaïs Fernandes

06/01/2021

 

 

Herança estatística de 2020 pode garantir variação na casa de 4%, mas crescimento trimestral deve ser fraco
A recuperação da economia brasileira em 2021 é observada com bastante cautela por analistas, seja entre aqueles que acham que o consumo poderia liderar o processo, seja para quem espera uma retomada pelos investimentos. O cenário é repleto de incertezas na saúde, no mercado de trabalho e nas contas públicas. Projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) acima de 3% podem parecer fortes em um país que cresceu na um pouco acima de 1% nos anos pré-pandemia, mas, descontada a herança estatística de 2020, sobra pouco espaço para um “avanço efetivo” da atividade em 2021.
O cenário atual da A.C. Pastore & Associados para o PIB deste ano, de alta de 4,5%, já se tornou um teto, afirma a economista-chefe da consultoria, Paula Magalhães. A previsão é de contração de 4,1% em 2020, o que deixando 4,1% de carregamento estatístico para 2021- ou seja, se a atividade ficar estacionada no nível do fim de 2020 e não avançar nada neste ano, já cresceria 4,1%. Isso implica num crescimento médio trimestral de apenas 0,2% em 2021.
A exemplo dos últimos anos, a retomada seria impulsionada pelo consumo - a A.C. Pastore projeta alta de 3% no consumo das famílias em 2021 -, mas há “desafios enormes”, afirma Paula. Um deles é o fim do auxílio emergencial, que se soma à taxa de desemprego elevada e ao recrudescimento da pandemia. “As pessoas, com medo de consumir certos serviços, migraram para o consumo de bens, mas havia a ajuda do auxílio, que não existiria agora”, lembra a economista. Ela observa ainda que o PIB per capita deve ficar 9,7% abaixo do primeiro trimestre de 2014. “A gente engatou uma crise na outra, é difícil ficar otimista.”
O juro real (descontada a inflação) até negativo pode fomentar investimentos, mas o nível de incerteza é muito elevado, o que mantém as taxas deprimidas, diz Paula. “Não sabemos como vamos resolver a questão da vacinação, os problemas fiscais. Como vamos ter um ambiente propício para investimento assim? Não são apenas os juros que ditam investimento.
O Banco Inter também vê o cenário de 2021 “com certa cautela”, diz a economista-chefe, Rafaela Vitória, que projeta 3,7% para o PIB do ano. “É até modesta, considerando que devemos ter queda de 4,4% em 2020”, afirma ela, acrescentando que quase 3% da sua projeção para 2021 é efeito estatístico.
As “forças” que poderiam ser positivas para o PIB deste ano, segundo Rafaela, são a vacina e o acerto fiscal, que manteriam os juros baixos e poderiam impulsionar a atividade no segundo semestre, principalmente os investimentos. “Seria um grande diferencial para a gente falar de um PIB entre 4% e 4,5%.”
Na sua visão, o principal risco, porém, é a questão orçamentária, que está pendente. Entre reduzir despesas diante do Orçamento “engessado” ou flexibilizar o teto de gastos, as sinalizações do governo, até agora, não passam confiança em nenhuma direção, afirma a economista. “Essa discussão é importante não só pelo impacto fiscal, mas também porque dá um tom para o mercado financeiro, principalmente para câmbio e juros que, por sua vez, dão o tom para investimentos.”

Para ela, a recuperação mais sustentada da atividade deve vir do investimento privado. É isso também que vai estimular o mercado de trabalho, e um aumento da renda via emprego “é mais duradouro não só para o PIB do segundo semestre de 2021, mas para 2022, 2023”, afirma.

O acúmulo de poupança ao longo de 2020 poderia servir como “colchão” para uma transição na retirada do auxílio emergencial, avalia Rafaela. Embora a poupança tenha sido maior entre classes mais altas, ela diz que a forte captação da caderneta de poupança deve refletir também parte do benefício emergencial guardado. “Parte dessa poupança pode ser usada no primeiro trimestre para compensar o fim do auxílio e a volta mais gradual do emprego.”
Apesar de prever avanço de 2,2% para o PIB de 2021, abaixo do consenso de mercado, Gustavo Ribeiro, economista-chefe do ASA Investments, não considera a visão da casa negativa e diz que o cenário é “cautelosamente construtivo”. Ele lembra que o Brasil não cresce acima de 2% desde 2013, mas observa também que quase todo o avanço de 2021 seria por efeito estatístico.

“Só que, hoje, falar de ‘carry-over’ é um pouco enganoso. Ele pressupõe ‘tudo o mais constante’, o que não se verifica de largada, porque o carregamento em 2020 só foi construído por causa do impulso fiscal positivo, que deve virar negativo em 2021”, afirma. Ribeiro prefere pensar em um “carry-over excluindo o auxílio”, que, segundo ele, deixaria como herança de 1% a 1,5% para 2021.

Dada a manutenção do regime fiscal no ano que vem - que é, para o ASA, condição para o crescimento do Brasil - haverá um “degrau de renda” importante, diz Ribeiro. Os modelos do ASA indicariam queda de 5,3% na massa salarial ampliada (que inclui benefícios, como o auxílio emergencial) em 2021. Se metade do que foi acumulado a mais de poupança em 2020 virar consumo, que é o cenário-base do ASA, a queda seria de 2,5%. Se todo o acúmulo adicional virar consumo, ficaria zerado. “Mas quão realista é esse cenário?”, questiona Ribeiro.

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Fim do auxílio e repique da pandemia podem atrasar retomada de serviços

Hugo Passarelli

06/01/2021

 

 

Expectativa é que a retomada continue nos próximos meses, ainda que de forma lenta
O apetite dos consumidores para compras em restaurantes e supermercados seguiu em recuperação no mês de novembro, mas ainda sem apagar os prejuízos herdados do choque da covid-19, mostram dois índices calculados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e a bandeira de benefícios Alelo.
À frente, os sinais para ambos os segmentos são ambíguos: a expectativa é que a retomada, ainda que lenta, continue nos próximos meses, mas o repique da pandemia e o fim do auxílio emergencial podem inibir a volta do consumo das famílias.
O Índice de Consumo em Restaurantes (ICR) mostrou em novembro uma queda de 42,7% nas transações em relação ao mesmo mês de 2019, menos negativo quo que o mês anterior, quando caiu 44,3%, e bem abaixo do ápice da crise em abril, quando registrou baixa de mais de 60%, também na comparação anual.
O valor total gasto em restaurantes segue numa retomada mais rápida: registrou baixa de 23,1% em novembro, de um recuo de 48,5% em abril, um sinal de que parte do movimento nesses estabelecimentos foi transferido para as entregas em domicílio. Vale a ressalva, no entanto, que o número de estabelecimentos funcionando está muito próximo ao patamar de novembro de 2019, e é apenas 1,7% menor.
“Se de um lado tem uma tendência de as pessoas saírem mais de casa no fim do ano, por outro o repique da pandemia acaba diminuindo a propensão de ir a restaurantes, então é difícil prever como serão os resultados em dezembro”, afirma Bruno Oliva, pesquisador da Fipe.
Na reta final de 2020, o governo paulista decidiu apertar momentaneamente os horários de funcionamento de bares e restaurantes, assim como o período para venda de bebida alcoólica. São Paulo é o local com maior peso dentro do indicador.
Em trajetória mais benigna, o Índice de Consumo em Supermercados (ICS) caiu 13,9% em novembro, também em recuperação ante outubro (-14,5%) e acima do pior momento, quando recuou 18,6%. Os dados nacionais ainda apontam um cenário mais positivo no valor total gasto em supermercados, que está 4,1% acima de novembro de 2019. Ou seja, embora façam menos idas, os consumidores estão gastando mais nos estabelecimentos. A quantidade de supermercados que realizaram transações também é quase a mesma do ano passado (-07% na análise anual).

“Claro que as pessoas não vão do dia para a noite aumentar a ida ao supermercados, mas já observamos essa melhora gradativa. O que não sabemos é se essa melhora marginal vai persistir em dezembro”, comenta Oliva.

Para 2021, o pesquisador prevê uma continuidade da volta gradual do consumo nos dois setores, especialmente nos dois primeiros trimestres do ano.
“Mesmo que ainda demore, a vacina certamente vai dar um pouco mais de segurança para que as pessoas saiam de casa. Mas a economia ainda vai demorar a reagir, principalmente se pensarmos que um [eventual novo] auxílio emergencial e outras transferências vão ficar prejudicados neste início do ano por conta dos problemas fiscais”, diz Oliva.

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Alimento desacelera, mas preço ao produtor tem alta recorde

Alessandra Saraiva

06/01/2021

 

 

Indicador acumula alta de 16,69% em 12 meses até novembro
A inflação de “porta de fábrica”, sem impostos e fretes, apurada pelo Índice de Preços ao Produtor (IPP) perdeu fôlego em novembro do ano passado; mas ainda acumula alta recorde em 12 meses.
O indicador, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desacelerou de 3,41% para 1,39% entre outubro e novembro, a menor taxa desde junho de 2020 (0,60%), beneficiada por menor pressão inflacionária de alimentos, segundo o economista do instituto Manuel Souza Neto.
O mesmo setor alimentício, cujos preços dispararam ao longo de 2020 durante a pandemia, levou a uma arrancada na taxa em 12 meses do indicador, para 19,69% até novembro - a maior da série iniciada em dezembro de 2014.
Souza Neto disse que o maior impacto para a formação do indicador no mês foi de alimentos (0,71 ponto percentual). O técnico detalhou também que, mesmo ainda expressiva, a inflação na indústria dos alimentos entre outubro e novembro diminuiu de 4,67% para 2,76%. Essa desaceleração, aliada ao forte peso do setor dentro do IPP, influenciou para baixo o resultado de novembro. “A indústria de alimentos como um todo pesa em torno de 25% [no IPP]”, afirmou.

A indústria do setor pode ter sido influenciada por menor pressão do dólar, no período. Isso porque conta com longa cadeia de derivados, cujas matérias-primas são commodities. Além disso, alguns produtos alimentícios brasileiros muito exportados têm preço de venda atrelado à evolução do dólar, lembrou.

“Em outubro [de 2020] tivemos valorização do dólar frente ao Real de 4,2%; mas em novembro houve desvalorização de 3,7%”, afirmou ele.

Mas o desempenho de novembro não impediu que a inflação acumulada da indústria de alimentos, na porta de fábrica, continuasse expressiva - influenciada por demanda em alta, e “repiques” de elevação de dólar ao longo de 2020, em meio à pandemia, admitiu o técnico. Em 12 meses até novembro do ano passado, a inflação na indústria dos alimentos acumula alta de 35,19%.
Essa é a segunda maior taxa da série histórica do IPP para o setor, iniciada em janeiro de 2010, perdendo apenas para outubro de 2020 (35,99%). Esse cenário fez com que, do total do IPP em 12 meses até novembro, 8,13 ponto percentual fossem originados da indústria de alimentação.
Além de alimentos, outro destaque em novembro do ano passado foi o minério de ferro. O produto influenciou queda de 2,05% no IPP da indústria extrativa, naquele mês, e desaceleração de preços em indústria de transformação (de 3,05% para 1,60%) entre outubro e novembro. Houve “variação de preço significativa e negativa” no minério, no mercado internacional, disse o técnico do IBGE, sem citar percentuais.

Nas quatro grandes categorias de uso da indústria, o minério mais barato também levou ao enfraquecimento da inflação de bens intermediários, de 5,05% para 1,45% em novembro. No mesmo período, houve menor taxa em bens de capital (de 2,61% para 0,28%); e em bens de consumo duráveis (de 1% para 0,85%). Somente duráveis e não duráveis mostrou aceleração (de 1,23% para 1,66%).