Valor econômico, v. 21, n. 5161, 06/01/2021. Empresas, p. B1

 

Venda de vacina contra covid-19 supera capacidade de produção

Assis Moreira

06/01/2021

 

 

Indústria terá que dobrar ou até triplicar a estrutura para combater a pandemia
A indústria farmacêutica deverá dobrar, ou até mesmo triplicar, sua capacidade de produção de vacinas para imunizar a população mundial contra o covid-19, segundo fontes do mercado que acompanham a intensa atividade de montagem e utilização de novas fábricas.
Atualmente a capacidade mundial de produção de vacinas em geral (não incluindo para gripe sazonal) é estimada entre 3 e 5 bilhões de doses por ano. Agora os laboratórios precisam tanto manter a produção de diferentes vacinas já existentes, como também ter linhas específicas para combater a covid-19. E as estimativas são de nesse cenário a produção total chegar a 17 bilhões de doses.

Testes clínicos mostram que serão necessárias duas doses por pessoa para obter a imunização desejada contra o vírus que já matou milhões de pessoas. Isso significa uma necessidade de 12 bilhões a 15 bilhões de doses para toda a população mundial. É uma tarefa gigantesca, para elevar a capacidade de produção a níveis jamais vistos antes. Como diz um analista, claramente não é “business as usual”’ e os laboratórios estão operando em “território desconhecido”.

Dados fornecidos pela IFPMA, Federação Internacional das Indústrias Farmacêuticas, levantados pela Airfinity, companhia de análises científicas em Londres, mostram que os contratos fechados por alguns grandes laboratórios para entregar vacinas anti-covid superam a capacidade de produção que estimam poder ter ao longo do ano.
A AstraZeneca/Oxford, que tem a vacina mais barata, com a dose calculada em torno de US$ 4, já fechou acordos de venda de 3,815 bilhões de doses. Em comparação, sua capacidade de produção deve ficar em 2,581 bilhões de doses por ano.

O mesmo acontece com a Pfizer, com contratos fechados para fornecer 1,501 bilhão de doses ante uma produção que deverá chegar a 1,3 bilhão de doses. É uma vacina mais cara, ao preço médio de US$ 19,50. A Jonhson & Jonhson, com capacidade ampliada para fabricar 1 bilhão de doses, tem acertos para fornecer 1,31 bilhão.

A vacina do laboratório americano Moderna, com o produto mais caro, terá capacidade de produzir 1 bilhão de vacinas. Fechou contrato até agora para fornecer 812 milhões de doses.

A Índia é o país com a maior capacidade de produção no momento, em torno de 3,5 bilhões de doses por ano. Várias vacinas estão ou serão produzidas em laboratórios indianos como AstraZeneca/Oxford, Novavax, J&J, Sputnik 5, Sinopharma. Os EUA vêm em segundo. A capacidade do Brasil, segundo o levantamento de Airfinit, é de 200 milhões de doses.

A IFPMA diz que a indústria farmacêutica está envolvida em várias iniciativas para assegurar acesso equitativo às vacinas mais promissoras. Vários laboratórios anunciaram que vão oferecer suas vacinas a um “preço socialmente responsável”, incluindo preços diferentes para diferentes países.
Observa que, apesar de muito competitivas, as indústrias farmacêuticas não hesitaram em somar recursos, expertise, know-how e ativos intelectuais para acelerar o desenvolvimento de novas, seguras e efetivas medicinas e vacinas, em ação com biotechs, universidades e institutos públicos de pesquisa. O nível de controle de qualidade de uma vacina é 50 vezes maior do que de um remédio normal, segundo analistas.

Para a entidade da indústria, “há luz no fim do túnel, mas os próximos seis meses serão cruciais”. O recente anúncio de Pfizer/BioNTech, Moderna e AstraZeneca/Oxford sobre alto nível de eficácia de suas vacinas é promissor “e demonstra que a indústria está fazendo tudo em seu rapidamente por a pandemia sob controle”.
A expectativa é que somente cinco a seis grupos farmacêuticos tenham as qualificações e infraestrutura para produzir vacinas na ampla escala necessária. Desenvolver e produzir doses na dimensão atual é algo inédito.

Segundo a IFPMA, já foram administradas pouco mais de 12, 3 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, em 32 países. A China vem em primeiro lugar com 4,5 milhões, os EUA em segundo com 4,2 milhões, e Israel em terceiro com 1 milhão. Em termos do número de vacinados por 100 pessoas, Israel está na frente com 12,59 já imunizados.

O objetivo, conforme a federação da indústria, é ter doses suficientes para proteger os trabalhadores na área de saúde, pessoas com problemas mais sérios e os idosos. Se forem protegidos os médicos, enfermeiros e outros no setor de saúde, isso representará já 1% do número total de doses necessárias. Incluindo pessoas com maior risco, o número passa para 20%.

A avaliação é que a atual produção deve ser suficiente para atender a primeira etapa. Mas a questão não é só ter a vacina. Há risco de os governos estragarem doses, na medida em que não tiverem planejado toda a logística necessária.

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Brasil fez opção modesta

Assis Moreira

06/01/2021

 

 

O Brasil pode receber em março o primeiro lote de vacinas anti-covid pelo programa Covid-19 Global Access Facility (Covax), organizado pela Aliança Global para Vacinas e Imunização (Gavi). Mas não será significativo pois a opção escolhida pelo governo foi modesta.

Pelo Covax, um grupo de países fez um “pool financeiro” para ajudar empresas a desenvolver vacinas mais rapidamente e garantir acesso equilibrado ao produto. Assim, em vez de acordo bilateral, com um só laboratório, países compartilham o risco e apostam em número maior de vacinas potenciais. Havia diferentes opções, como encomendar vacinas para imunizar até 20% da população e fazer já uma compra fixa.
O governo brasileiro, depois de muita hesitação, comprou pelo Covax apenas 43 milhões de doses (duas para cada pessoa), cobrindo 10% da população. Também optou pela modalidade de decidir se quer ou não determinada vacina.

O preço estimado pelo Covax é de US$ 10,55 por dose. O preço efetivo poderá ser maior ou menor, dependendo do fabricante.
Até agora, o Covax assegurou 170 milhões de doses da vacina de AstraZeneca/Oxford. Outras 200 milhões, e opção para até 900 milhões adicionais, da AstraZeneca/Oxford ou da Novavax foram acertadas entre Gavi, Serum Institute of India e Bill and Melinda Gates Foundation. Além disso, o Covax encomendou 500 milhões de doses da Janssen, através da J&J. Outras 200 milhões de doses da vacina em desenvolvimento da Sanofi/GSK, foram acertadas com esses laboratórios. A expectativa é que o Covax chegue a 1 bilhão de doses em 2021, no total.

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Risco de imagem e judicialização

Beth Koike

06/01/2021

 

 

A vacinação deve ser feita pelo setor público - empresas privadas, se comprarem vacinas, correm risco de imagem e de serem acionadas judicialmente
A comercialização da vacina para combate da covid-19 pelo setor privado neste momento em que ainda há uma carência do imunizante na rede pública pode gerar processos na Justiça e dano à imagem de clínicas e hospitais privados que ofertarem a vacina. A opinião é de Helton Freitas, presidente da Seguros Unimed.

“No curto prazo, não vai ter vacina para todos. Há risco de a Justiça ser acionada e confiscar a vacina na rede particular porque alguém do grupo prioritário está sem vacina na rede pública. Vejo um grande desgaste de imagem. É uma questão ética, é preciso ter equidade”, disse Freitas.
Fernando Reich, professor titular de bioquímica da USP, também fez ponderações sobre a venda do imunizante na rede privada, no atual cenário. Em sua visão, se o governo brasileiro não tiver interesse em determinada vacina, o setor privado poderia comprar, mas é difícil saber efetivamente se a negociação não envolveria propostas financeiras muito maiores. “Por isso, as grandes fabricantes assinaram termos com a OMS [Organização Mundial da Saúde] para vender só para o ´setor] público e não ter esse ônus moral”, disse Reich.

Um grande risco da indústria farmacêutica vender para o setor privado é faltar vacina na rede pública e com isso as campanhas de imunização não serem efetivas. Segundo Reinach, especialista em imunização de rebanho, para que esses programas tragam bons resultados é necessário que entre 60% e 70% da população seja vacinada. Caso contrário, o vírus encontra uma grande quantidade de pessoas aptas a serem contaminadas tornando mais fácil sua reprodução e mutação. Hoje, já há casos de uma nova cepa do vírus da covid-19 no Brasil. “Para essa nova variante, que tem maior capacidade de reprodução, é necessário que entre 80% e 85% da população esteja imunizada para controle da pandemia”, disse Reinach.

Ao atingir esses percentuais e seguir as regras das campanhas - que priorizam profissionais de saúde, idosos e pacientes com doenças crônicas - há consequentemente uma redução no volume de mortes e internações, reduzindo a sobrecarga nos sistemas público e privado de saúde.
A vacinação em massa contribui efetivamente para controle da pandemia, mas o especialista alertou que não há estudos, hoje, demonstrando a capacidade esterilizante das vacinas para covid-19. Isso significa que uma pessoa imunizada não tem mais os sintomas da doença, mas não necessariamente deixa de transmitir o vírus.

Questionado sobre a vacina Covaxin, do grupo farmacêutico indiano Bharat, que está sendo negociada pela associação brasileira de clínicas, Reinach diz que ainda não há pesquisas sobre a fase 3, mesmo estágio em que está a Coronavac, da fabricante chinesa Sinovac e Instituto Butantan.