O globo, n.31896, 04/12/2020. Economia, p. 24

 

Guedes vê rápida recuperação

Manoel Ventura 

Marcello Corrêa 

Isabella Macêdo 

04/12/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, comemorou ontem o resultado do PIB, enquanto a equipe econômica acredita que o dado divulgado pelo IBGE demonstra que não será necessário manter medidas do governo tomadas em 2020, como o auxílio emergencial, em 2021. Para Guedes, o crescimento de 7,7% no terceiro trimestre é um sinal de que a atividade econômica está “voltando em V”, jargão que significa uma rápida retomada após grave recessão.

Apesar do otimismo da equipe econômica, o resultado veio abaixo do esperado pelo próprio governo, que previa alta de 8,3%. Segundo Guedes, a diferença entre projeção e resultado ocorreu por causa de revisões em trimestres anteriores.

— A economia voltando em V. Houve revisões em trimestres anteriores, então veio um pouquinho abaixo do esperado. Mas o fato é que a economia está voltando em V, realmente está voltando — disse o ministro a jornalistas, pela manhã.

Perguntado sobre a recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que as medidas de estímulo adotadas durante a pandemia não sejam retiradas de forma abrupta, Guedes disse que isso está sendo seguido pelo governo:

— É exatamente o que estamos fazendo. Tínhamos um estímulo de R$ 600 por três meses, renovamos, depois reduzimos gradualmente para R$ 300, aí botamos mais quatro meses até o final do ano.

GOVERNO PODE FIXAR META

Mais tarde, ao participar de evento da construção civil, Guedes voltou a dizer que os estímulos estão sendo retirados de maneira gradual. Ele prevê queda de 4,5% do PIB ao fim do ano, e disse que o Brasil vai surpreender em 2021:

—Só mesmo os negacionistas é que refutariam a evidência empírica de que a economia brasileira voltou em V.

Nota da Secretaria de Política Econômica da pasta considera que o resultado do PIB pavimenta o caminho para que a economia brasileira “continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais”, como o auxílio emergencial. Para o governo, a retomada da atividade econômica “compensará a redução dos auxílios”.

Para o governo, o “escudo de políticas sociais” criado para amenizar os impactos econômicos e sociais causados pela pandemia “deve ser desarmado, dando espaço para a agenda de reformas estruturais e consolidação fiscal”.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), considerou o resultado do PIB ruim e disse que o dado reflete o que chamou de “desorganização do governo”.

— Do tamanho da desorganização do governo — disse o deputado.

Maia também criticou a proposta do governo, apresentada em abril, de adotar uma meta flexível como resultado das contas públicas no próximo ano. A decisão foi tomada, na época, por causa da dificuldade dos técnicos em estimar a receita para o ano seguinte, diante da crise causada pela pandemia. Sem meta fiscal fixa, não há bloqueio de recursos no Orçamento ao longo do ano, chamado de contingenciamento.

— O que está me deixando impressionado é essa coisa de meta flexível que o Paulo Guedes está inventando. A primeira promessa que fizeram foi acabar com déficit primário. Agora não querem meta para não ter de organizar contingenciamento —disse Maia.

Guedes negou que haja uma “briga” entre a equipe econômica e o Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do tema e disse, pela primeira vez, que o governo pode fixar uma meta para o resultado das contas públicas em 2021.

— Agora, a economia se firmando e voltando, nós já teremos possibilidade, vamos conversar com o TCU sobre isso, de rever as previsões de receitas e aí podemos então anunciar uma meta —disse o ministro.

Em outubro, o TCU aprovou um alerta ao governo federal sobre a ausência de uma meta fiscal fixa no projeto da LDO de 2021. Segundo o tribunal, ao não definir esse indicador, o governo poderá desrespeitar a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

SEIS SINAIS DE INDEFINIÇÃO NO QUARTO TRIMESTRE

1 Aumento de casos de Covid-19

A rede pública de saúde no Rio está em colapso, segundo diagnóstico de grupo de estudos da Fiocruz. Em São Paulo, hospitais começam a alcançar a capacidade máxima nas UTIs. O risco de uma segunda onda de Covid-19 pode inibir o consumo imediato, por medo de contágio, ou deixar o consumidor mais cauteloso mesmo que o comércio permaneça aberto.

2 Patamar alto de desemprego

Em seis meses, 3,6 milhões de trabalhadores ficaram sem emprego. Atualmente, a taxa de desemprego supera 14% e especialistas esperam que o número aumente. A principal renda das famílias vem do trabalho, que responde por 70% do orçamento. Sem emprego, as famílias contam com menos recursos para consumir, diminuindo o potencial de recuperação.

3 Comércio, indústria e serviços mais devagar

Indicadores econômicos do fim do terceiro trimestre e os já divulgados de outubro mostram a economia crescendo mais devagar. A produção de papelão ondulado, beneficiada pelo maior uso de embalagens na pandemia, caiu 2% em outubro. O fluxo de veículos nas estradas teve leve alta de 0,2%. A indústria cresceu 1,1%, menos da metade do mês anterior.

4 Auxílio emergencial pela metade

Em setembro, o governo cortou pela metade o valor do auxílio emergencial pago a mais de 65 milhões de pessoas durante a pandemia. O valor caiu de R$ 600 para R$ 300, e a previsão é que ele seja encerrado no fim do ano. A incerteza em relação aos próximos meses pode funcionar como um freio no consumo para os beneficiários do programa.

5 Inflação puxada por alimentos e conta de luz

Bancos e consultorias já estão prevendo inflação acima do centro da meta, de 4%, este ano, após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ter fixado bandeira tarifária vermelha nível dois em dezembro. O aumento da conta de lu zé um apressão amais na inflação, que vinha e malta coma disparada nos preços de alimentos. Até outubro, eles subiram 12%.

6 Incerteza fiscal no horizonte

A dívida pública caminha para responder por mais de 100% do PIB, o que significa mais de R$ 7 trilhões. Os gastos para combater a pandemia e com o auxílio emergencial fizeram a dívida subir, e o governo ainda não apresentou um plano para estabilizá-la. A incerteza fiscal pode se tornar um fator que dificulta a atração de investimento durante a retomada.