Correio braziliense, n. 21010, 02/12/2020. Política, p. 6

 

Novo rumo arranha a imagem de Moro

Sarah Teófilo 

02/12/2020

 

 

Com a decisão de integrar a equipe da empresa de consultoria Alvarez & Marsal, que tem entre clientes as empreiteiras Odebrecht e a OAS, ambas alvo da Operação Lava-Jato, Sergio Moro se distancia das disputas eleitorais –– como se especulava desde que deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em abril, criticando o presidente Jair Bolsonaro e seu governo –– e ainda vê sua credibilidade ficar muito arranhada. É o que observam analistas do cenário político, que até então enxergavam no ex-juiz um potencial candidato a uma chapa presidencial, em 2022.

O cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, afirma que ao assumir a condição de sócio-diretor da consultora, Moro vai ao encontro daquilo que dizia –– que não tinha pretensões de se candidatar. E mesmo que o ex-ministro tenha intenção de, futuramente, tentar um cargo eletivo, Noronha avalia que, numa campanha, será muito questionado sobre suas decisões profissionais – como a de trabalhar para uma terceirizada que tem como clientes empresas cujos controladores colocou atrás das grades.

O cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Geraldo Tadeu ressalta que Moro trafega em uma "linha tênue" entre as aspirações políticas e o papel que passou a desempenhar, a partir da Lava-Jato. Para o professor, a decisão de deixar a magistratura para integrar o governo Bolsonaro foi a que mais comprometeu essa imagem de Moro.

Cobrança
"Ele tem um papel muito ativo nas eleições de 2018, com a prisão do ex-presidente Lula a poucos meses das eleições. Em seguida, ele abdica da magistratura para ser ministro do concorrente do Lula", disse, lembrando que, à época, Moro foi muito criticado. "Esse certamente que vai ser o gesto mais cobrado numa futura campanha. Porque, em campanha, você paga todos os seus pecados", explicou.

Para o professor, ao se juntar a uma empresa que trabalha para a Odebrecht e a OAS arranha definitivamente a imagem do ex-ministro. "É mais um argumento a ser usado por adversários. Em campanha, basta que gere no eleitor algum sentimento de repulsa ou de dúvida", afirma.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis ressalta que o ex-ministro não cometeu qualquer ilegalidade, mas "reduz credibilidade e a força. Se o que ele tem de força é a credibilidade, então reduz essa hipótese (de ser candidato)", garantiu.

Dinis explica que "quando ele pega esse patrimônio (de credibilidade) e gasta, cria uma pulga atrás da orelha do seu seguidor".

A Alvarez & Marsal afirma que o ex-juiz foi contratado por ser especialista em investigações anticorrupção complexas, crime de colarinho branco e lavagem de dinheiro. Em nota, garante que foi estabelecido em cláusula contratual na qual Moro "não atuará em projetos que possam gerar conflitos de interesse" e que não opinará em assuntos com os quais lidava no governo. "A A&M não advoga em defesa das companhias, mas como advisor para reestruturações e transformações corporativas", afirmou em nota.