Correio braziliense, n. 21011, 03/12/2020. Política, p. 3

 

Marques: injúria racial não é racismo

Renato Souza 

03/12/2020

 

 

O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou contra a equiparação do crime de injúria racial ao racismo para fins de imprescritibilidade. O julgamento teve continuidade na sessão de ontem, mas foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Alexandre de Moraes e não tem prazo para ser retomado. Está em debate o caso de uma moradora de Brasília que ofendeu a frentista de um posto de gasolina, em 2012.

De acordo com o processo, a mulher, de 79 anos, moradora da Asa Norte, parou para abastecer o veículo e tentou pagar o serviço com cheque. No entanto, foi informada pela funcionária que esse tipo de pagamento não era aceito no estabelecimento. Irritada, a cliente proferiu palavras ofensivas contra a trabalhadora. "Negrinha nojenta, ignorante e atrevida", disse a acusada. Em 2013, ela foi condenada a um ano de prisão. A defesa da idosa sustenta que o Estado perdeu o direito de punir, tendo em vista que o fato ocorreu há oito anos.

O Supremo julga se a injúria racial é uma forma de racismo, o que faria com que se enquadrasse em crime imprescritível e inafiançável. Dessa forma, a acusada poderia ser punida atualmente. Ao votar, Nunes Marques divergiu do relator, o ministro Edson Fachin, e entendeu que as práticas apontadas se tratam de crimes distintos. "Sem desconsiderar a gravidade do delito de injúria racial, entendo que não é possível tê-lo como crime de racismo, porquanto as condutas desses crimes tutelam bens jurídicos distintos. É que, no crime de injúria, o bem jurídico protegido é a honra subjetiva e a conduta ofensiva se dirige à lesão dela. Já nos crimes de racismo, o bem jurídico penal tutelado é a dignidade da pessoa humana, que deve ser protegida independentemente de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", argumentou.

Parlamento
Para Marques, a lei que trata do crime de injúria racial só pode ser modificada pelo Congresso. De qualquer forma, na visão do magistrado, a lei penal não pode ser alterada para prejudicar o réu, e a idosa tem direito à prescrição. "Não vejo como se interpretar extensivamente uma exceção feita pelo Constituinte originário ao instituto da prescrição com base em uma preocupação da sociedade brasileira. A gravidade do delito não pode servir para que Judiciário amplie as hipóteses de imprescritibilidade previstas pelo legislador ou altere prazos previstos na lei penal", completou.