Valor econômico, v. 21, n. 5162, 07/01/2021. Política, p. A10

 

Bolsonaro insinua que houve ‘fraude’ nas eleições dos EUA

Fabio Murakawa

Cristiane Agostine

Luísa Martins

07/01/2021

 

 

Dirigentes de partidos de centro-esquerda expuseram o temor de que cenas parecidas possam acontecer no Brasil e afirmaram que é preciso respeitar a Constituição e as urnas
Momentos depois de o Congresso americano ter sido invadido ontem por apoiadores de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que “teve muita denúncia de fraude” na eleição presidencial dos Estados Unidos, vencida pelo democrata Joe Biden.
“Eu acompanhei tudo aí. Você sabe que eu sou ligado ao Trump. Então você já sabe qual a minha resposta aqui”, disse Bolsonaro no Palácio da Alvorada, depois que uma apoiadora pediu para ele comentar sobre a invasão. “Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso há um tempo atrás e a imprensa falou ‘sem provas, o presidente Bolsonaro falou que teve, foi fraudada as eleições americanas’”.

A apoiadora perguntou se “essas eleições agora” também foram fraudadas, aparentemente referindo-se à disputa municipal de 2020. Bolsonaro respondeu que acredita que a sua eleição, em 2018, foi fraudada. “Não, essa nova eleição (de 2020) que você quer dizer? Porque a minha foi fraudada. Eu entendo, tenho indícios de fraude na minha eleição”, disse. “Era para ter ganho no primeiro turno.” Bolsonaro fez, então, uma nova insinuação contra a segurança das urnas eletrônicas, referindo-se ao número 17 do PSL, seu partido à época, e ao 13, do PT. “Ninguém reclamou que foi votar no 13 e a maquininha não respondia. O contrário, quem ia votar no 17 não funcionava ou para alguns já apareciam o 13 lá”, disse o presidente.

As declarações de Bolsonaro, no entanto, não encontraram respaldo na cúpula do Legislativo e do Judiciário brasileiro. O comando do Congresso Nacional, lideranças do Judiciário e de partidos se uniram ontem no repúdio à invasão do Capitólio americano por apoiadores de Trump, em sessão que certificaria Joe Biden como o novo presidente eleito dos Estados Unidos. Em consenso, políticos e magistrados defenderam a democracia e criticaram a ação articulada pelos simpatizantes de Trump. Dirigentes de partidos de centro-esquerda expuseram o temor de que cenas parecidas possam acontecer no Brasil e afirmaram que é preciso respeitar a Constituição e o resultado das urnas.
O presidente do Senado, Davi Acolumbre (DEM-AP), criticou a invasão do Capitólio, como é conhecido o Congresso dos EUA. “As imagens da invasão ao Congresso americano, em uma tentativa clara de insurreição e de desprezo ao resultado das eleições por parte de um grupo, são inaceitáveis em qualquer democracia e merecem o repúdio e a desaprovação de todos os líderes com espírito público e responsabilidade”, disse no Twitter. “Defendo, como sempre defendi, que a democracia deve ser respeitada e que a vontade da maioria deve prevalecer.”

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou como “um ato de desespero” de uma corrente antidemocrática que perdeu as eleições americanas em 2020.  “Fica cada vez mais claro que o único caminho é a democracia, com diálogo e respeitando a Constituição.”

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, afirmou no Twitter considerar uma “ameaça à democracia”. “No triste episódio nos EUA, apoiadores do fascismo mostraram sua verdadeira face: antidemocrática e truculenta. Pessoas de bem, independentemente de ideologia, não apoiam a barbárie. Espero que a sociedade e as instituições americanas reajam com vigor”, disse.

O ex-governador e presidenciável Ciro Gomes (PDT) disse que Trump é um “mau exemplo para o mundo” e “coloca não só os EUA em risco, mas todos os países democráticos”. “Temos que nos manter vigilantes. Bolsonaro é aprendiz e capacho de Trump. É hora do Congresso brasileiro colocar um freio em seus crimes e abrir o processo de impeachment”, disse. Na mesma linha, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que a “direita fascista” tenta dar um golpe nos Estados Unidos e afirmou que o Brasil precisa se atentar. “O que aconte lá serve de exemplo para que afastemos o fascismo e o retrocesso daqui”, afirmou.

Presidente do PDT, Carlos Lupi disse que a ação nos EUA é um sinal de que é preciso continuar lutando pela democracia. “Agora e sempre, resistir ao autoritarismo é missão de todo cidadão brasileiro!”, disse. O presidente nacional do PSol, Juliano Medeiros, aproveitou para pedir o impeachment de Bolsonaro.
Entre as manifestações, há apoiadores de Bolsonaro que repudiaram a invasão, como o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), e aqueles que acham que é uma “ação de esquerdistas”, como o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ). “Conforme havíamos suspeitado em notas anteriores, a invasão do Capitólio na tarde desta quarta-feira foi uma ação orquestrada e planejada por esquerdistas infiltrados entre os apoiadores de Donald Trump”, afirmou.