O globo, n.31898, 06/12/2020. País, p. 4

 

Diversidade em baixa nas secretarias

Alice Cravo 

Marlen Couto 

06/12/2020

 

 

Apesar de a representatividade ter conquistado mais espaço no debate público, a presença pequena de mulheres e negros em cargos de liderança nas prefeituras mostra que os governos que assumirão em janeiro vão precisar de empenho para mudar o quadro. Levantamento do GLOBO em 26 capitais revela que mulheres comandam hoje apenas 29% das secretarias das administrações municipais, enquanto negros representam somente 10% dos nomeados, embora os dois grupos representem mais da metade da população brasileira.

Os números consideram apenas titulares de secretarias e foram disponibilizados pelas próprias prefeituras ou levantados pela reportagem, no caso de dados sobre gênero, em sites oficiais ou no Diário Oficial do município. Não foi possível encontrar informações sobre Salvador. Para verificara diversidade racial do secretariado, foram consideradas 11 cidades que informaram dados sobre pretos e pardos à frente de pastas. As outras 15 capitais informaram que não dispõem de levantamentos sobre a presença de negros, pois não utilizam autodeclarações raciais em seus bancos de dados, ou não responderam. De acordo com o IBGE, negros representam 56% da população brasileira, enquanto mulheres são 52%.

A capital com maior participação de mulher e sé Rio Branco—éaúnic acidade com maioria feminina. Elas ocupam 11 dos 19 postos do primeiro escalão. A capital do A cr eé comandada pela primeiravez por uma mulher, Socorro Neri( PS B ), que assumiu o cargo de prefeita em 2018 após a renúncia de Marcus Alexandre (PT), que disputou sem sucesso o governo doestado. Neri tentou permanecer no comando da prefeitura, mas foi derrotada no segundo turno por Tião Bocalom (PP). Segundo ela, a misoginia é evidente na política.

—Fui massacrada com ataques machistas (na campanha). É uma questão que tem que ser enfrentada, porque desencoraja a participação das mulheres de forma representativa para consolidar a democracia e políticas públicas de inclusão no país. A partir de janeiro, apenas uma mulher comandará uma prefeitura de capital: Cinthia Ribeiro (PSDB), reeleita em Palmas. Hoje, 30% dos cargos de secretário são ocupados por mulheres na cidade. Entre as capitais com menor participação feminina, estão Porto Alegre e Campo Grande. Os dois municípios contam com apenas uma mulher secretária. Proporcionalmente, João Pessoa também tem baixa participação.

—Se não fosse um caso ou outro, a média seria puxada para baixo. O Sul, considerado avançado, está muito atrasado em termos de igualdade de gênero, assim como São Paulo, com fama de cosmopolita.

RACISMO ESTRUTURAL

A divisão de cargos nos governos também reflete visões equivocadas frequentes no mundo fora da política: enquanto homens frequentemente ocupam pastas mais técnicas e de maior prestígio, como Fazenda e Obras, é mais comum que as mulheres fiquem à frente de áreas como Cultura, Assistência Social e Educação.

— Elas ocupam espaços ligados ao estereótipo feminino —conclui Ligia Fabris. Entre as capitais que divulgaram dados sobre raça, três informaram que não há negros no comando das secretarias: São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. Em algumas cidades, a legislação chega como um instrumento para auxiliar na redução das desigualdades, estabelecendo quantitativo mínimo de vagas que devem ser ocupadas por servidores negros. É o caso de São Paulo, que destina 20% dos cargos para o grupo. No entanto, na estrutura da atual gestão paulista, apenas uma mulher negra ocupa cargo de liderança: Elza Paulina Souza, que comanda a Guarda Civil Metropolitana. Professor da Uerj e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, Luiz Augusto Campos destaca que a baixa representação de negros é a regra. Ele também chama atenção para a falta de informação sobre a composição das secretarias:

— A política brasileira é feita por homens brancos. A luta contra o racismo depende de mudanças estruturais, e isso inclui ocupar posições-chave.

O aumento da diversidade nas secretarias tem sido citado por prefeitos eleitos como critério para formar suas futuras equipes. No Rio, dos 13 nomes de secretários divulgados, Eduardo Paes (DEM) anunciou até o momento seis mulheres secretárias, sendo três negras, além de um homem negro. Apesar de em sua atual administração as mulheres comandarem apenas 25% das secretarias e nenhum negro ter sido nomeado, Bruno Covas (PSDB) declarou que seu futuro mandato em São Paulo terá mais mulheres e negros no primeiro escalão. Por enquanto, nenhum nome foi divulgado. Em Recife, João Campos (PSB) também fez sinalizações semelhantes. Em outras capitais, o cenário deve permanecer o mesmo ou piorar.

Em Belo Horizonte, o prefeito reeleito Alexandre Kalil (PSD) convidou todo o seu primeiro escalão a permanecer no próximo governo. Atualmente, a capital mineira tem seis mulheres e um homem negro como secretários, dos 15 cargos existentes. Em Rio Branco, cidade que tem hoje a maior proporção de mulheres secretárias, Tião Bocalom afirmou, em nota, que os nomes serão escolhidos “baseados em competência” e não “por sexo”.

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Campanha eleitoral mostrou que há longo caminho a ser percorrido 

06/12/2020

 

 

Nas 25 capitais que já realizaram eleições municipais —em Macapá, o pleito ocorre hoje, depois do adiamento em função do apagão —, o número de mulheres eleitas para as câmaras de vereadores aumentou em relação à atual legislatura. Os resultados das urnas também mostram que o Brasil terá mais políticos que se autodeclaram pretos e pardos nos legislativos municipais.

Os números, no entanto, ainda são insatisfatórios. A participação feminina nas câmaras das cidades cresceu apenas 36%. De acordo com os resultados, elas representam 18% dos vereadores eleitos nas capitais. Nas dez cidades com o maior número de cadeiras no Legislativo municipal, a participação de vereadoras passou de 13,8% para 19,7%, em média: antes, somadas essas capitais, elas ocupavam 58 cadeiras das 421; agora, detêm 83.

São Paulo é a capital que mais elegeu mulheres na comparação com a última eleição —foram 13, contra 8 atualmente em exercício —, e Porto Alegre será a capital com a maior representação feminina na Câmara Municipal, em termos percentuais: 11 mulheres para o Legislativo municipal, 30% do total de vereadores que iniciarão o mandato em janeiro. Lá, a vereadora mais votada na cidade foi uma mulher negra: Karen Santos, do PSOL, eleita com 15.702 votos.

Enquanto isso, sete políticos autodeclarados pretos e pardos comandarão prefeituras de capitais do país. Entre os eleitos, todos estão em cidades do Norte e do Nordeste. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste não contarão com nenhum político negro nos próximos quatro anos no comando das capitais. Nas câmaras de vereadores, a participação de pretos e pardos oscilou pouco na eleição, e os brancos seguem como maioria. Entre os eleitos, 44,7% se declararam negros. Há quatro anos, eram 42%. Além de serem obrigados por lei a destinar 30% do fundo eleitoral para candidaturas femininas, os partidos também tiveram, pela primeira vez, que destinar recursos a candidatos pretos e pardos na mesma proporção de candidaturas registradas. A mudança ocorreu após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).