O globo, n.31898, 06/12/2020. País, p. 12

 

Políticos viram fornecedores de campanha

Natália Portinari 

Daniel Gullino 

Victor Farias 

06/12/2020

 

 

Prefeitos, vereadores e outros candidatos nas eleições deste ano receberam verba de campanha — diretamente ou por meio de suas empresas — para prestar serviços de impressão de santinhos e jornais, de cabo eleitoral e de fornecedor de gasolina, entre outros. A legislação não proíbe que políticos com mandato sirvam às candidaturas, mas há casos que levantam suspeitas de irregularidades.

Até agora, prefeitos, viceprefeitos e vereadores receberam R$ 3,9 milhões de verba eleitoral. Já os candidatos ganharam cerca de R$ 11 milhões. Os números podem aumentar, pois aprestação de contas não foi finalizada. Inara Marinho Ferreira da Silva, prefeita de São Domingos de Cariri (PB), recebeu R$ 400 de cada um dos 13 candidatos a vereador aliados na cidade por “serviços contábeis”. Do atual vice, eleito prefeito, foram R$ 1.045. Alguns candidatos, que ficaram sem recursos do fundão, disseram ao GLOBO que sequer sabiam dessa contratação.

A prefeita argumenta sera única contadora da cidade de dois mil habitantes, mas opositores dizem haver outros profissionais do ramo na região. Questionada por que os candidatos desconhecem o pagamento, ela afirma:

— Em cidade do interior, existe uma falta de conhecimento grande. Segundo o professor de Direito Administrativo Vitor Schirato, da Universidade de São Paulo (USP), casos como esses configuram improbidade administrativa. Prefeitos e outros políticos com mandato, diz ele, não podem exercer outra profissão — exceto médico, professor e pesquisador — nem ser administradores de suas empresas.

— É um absurdo completo. Quem assume cargo público é obrigado a ter dedicação exclusiva. Se ela é prefeita, é prefeita. Pode ser contadora de formação, mas não pode exercer a profissão — explica Schirato.

COMPROVAÇÃO DE SERVIÇO

As campanhas que contratam candidatos, empresas de candidatos ou firmas de políticos com mandato precisam comprovar que o serviço foi prestado, segundo Marilda Silveira, professora de Direito Eleitoral do Instituto de Direito Público (IDP).

— O Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que, diante de casos como esses, aumenta o ônus de quem contratou de comprovar que o serviço foi prestado e que o preço foi justo e adequado —diz Marilda. Em Campinas (SP), um candidato a vereador pelo PSL, Claudio Roberto Nava, foi contratado como advogado por 44 dos 55 candidatos do partido à Câmara dos Vereadores da cidade. Esses pagamentos lhe renderam R$ 46 mil. Nava, por sua vez, colocou R$ 18 mil na própria campanha. Candidatos do PSL relataram que esse movimento foi uma orientação do partido. — Meu vínculo com uma

campanha é uma coisa; meu trabalho vai continuar na área jurídica — afirma Nava, negando conflito de interesses. Em Manaus (AM), um posto de gasolina recebeu R$ 48,2 mil de quatro candidatos. Parte desse valor — R$ 16,2 mil — foi paga pelo próprio dono, o vereador Diego Afonso (PSL). Ele também gastou R$ 4,5 mil em outra filial da sua empresa, totalizando R$ 20,7 mil. Outros dois vereadores que concorriam à reeleição gastaram R$ 18 mil e R$ 12 mil no posto. Procurado, Afonso disse, em nota, que os gastos foram feitos dentro da lei e serão comprovados na prestação de contas.

Dos R$ 336 mil recebidos pelo vereador manauara na eleição deste ano, R$ 107 mil saíram de partidos. Afonso também recebeu R$ 46 mil da sua sócia no posto, Dessana Afonso, e doou R$ 40 mil para sua própria campanha. O advogado eleitoral Marcellus Ferreira Pinto explica que a lei não proíbe candidatos de contratarem a própria empresa, mas afirma que, nesses casos, a Justiça Eleitoral precisa fazer uma fiscalização “com muito critério”. O jornal “O Tempo”, do prefeito de Betim (MG), Vittorio Medioli, recebeu

R$ 860 mil de 87 candidatos. Desta soma, R$ 128 mil foram pagos pelo próprio político, que se reelegeu. O gasto incluiu a impressão de santinhos e de outros materiais para 407 candidatos, a maioria de sua coligação. O advogado de Medioli, Lucas Neves, nega que o prefeito tenha tido condições mais favoráveis por contratar sua própriaempresa ou ques e trate de doação empresarial.

— O serviço foi prestado, o valor pago foi um valor de mercado. A empresa não doou. A empresa é uma pessoa jurídica distinta do prefeito. É uma empresa que faz outras campanhas—explicou Neves.