O globo, n.31898, 06/12/2020. Sociedade, p. 17

 

Jovens são 20% dos casos

Renata Mariz 

06/12/2020

 

 

Seja “segunda onda” ou “repique”, uma coisa é certa: os jovens estão se infectando mais na atual retomada da pandemia de coronavírus no país. Se em maio, início da escalada de registros, doentes entre 15 a 29 anos eram 13,5% dos diagnosticados, em novembro eles chegaram a 20,5%. Já entre as pessoas de 40 anos ou mais, há tendência de queda na proporção dos infectados.

É o que constata um estudo inédito obtido pelo GLOBO elaborado pela Rede Análise Covid-19 (ver quadro lado), considerando todos os testes moleculares (tipo PCR) positivos nas bases do DataSUS desde o início da pandemia até o último dia 23. A Rede Análise Covid-19 é uma coalização nacional de pesquisadores voluntários para o enfrentamento da pandemia. As conclusões do estudo são especialmente preocupantes já que os jovens figuram como os maiores transmissores potenciais da doença pois tendem a não sentir seus efeitos de forma aguda e, assim, mantêm atividades e contatos sociais. E com a chegada das festas de fim de ano, com as tradicionais reuniões em família, eles podem se tornar vetores do vírus para os mais vulneráveis, como pais, avós e tios, afirma o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, autor do levantamento:

—Provavelmente não são os jovens que vão colapsar o sistema de saúde. Preocupa mais que eles sejam vetores de transmissão do que efetivamente lotadores de UTI —diz. Os dados apontam um crescimento na proporção de diagnosticados em todas as faixas dos 5 aos 39 anos. A dos 20 aos 29 anos teve o maior salto, passando de 12,40% em maio para 17,46% em novembro. Dos 40 em diante, há contínuas pequenas quedas ao longo da pandemia. Algumas oscilações podem parecer pequenas, mas são significativas para mapear e combater a pandemia, aponta Schrarstzhaupt:

— A base de testes do SUS já é de 2,7 milhões. Considerando este total, um aumento ou queda de 2% ou 5% já é significativo para verificar tendências.

‘TEM QUE SER MUITO FORTE’

Como milhões de brasileiros, Fernanda Reis, de 26 anos, continuou em regime presencial de trabalho durante a pandemia. De Padre Miguel, bairro na Zona Oeste do Rio, onde mora com a mãe de 60 anos e a avó de 82, até o Centro da cidade, onde trabalha, a estudante de Pedagogia pega o trem em horário de pico todos os dias. E, na volta, costuma passar por bares e restaurantes apinhados de gente bebendo, comendo e conversando, sem máscara.

— Você tem que ser muito forte para sair do trabalho numa sexta, após uma semana cansativa, e ir direto para casa — diz a estudante, que conta ter saído para se divertir algumas vezes durante a pandemia.

Em 14 de novembro, ela sentiu um forte congestionamento nasal; no dia 17, perda de olfato e paladar. Foi quando o alerta acendeu. Diagnosticada com a doença, a estudante passou dez dias isolada em seu quarto. Sua mãe, que teve Covid-19 no fim de março, não apresentou novos sintomas. Tampouco sua avó, única da casa a não contrair a doença. Apesar disso, ela se sente responsável pela saúde dos familiares:

— Mesmo quando ainda não tinha sintomas, chegava do trabalho e ia direto da sala para o quarto. Tenho medo do que posso causar a elas. Thayanne Côgo, 22 anos, teve complicações após contrair a Covid-19. Estudante de Medicina de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ela teve pneumonia e os pulmões comprometidos— foram sete dias no CTI. A estudante acredita que, quando bares e boates reabrirem, jovens como ela vão “ignorar ainda mais” o vírus. Ela conta que conhece pelo menos outras seis pessoas de sua faixa etária que estão com a doença.

—O fato de ser jovem às vezes sobe à cabeça, como se fôssemos “blindados” —diz a estudante, que no momento está na fase final de recuperação num quarto de hospital. —Todos devem se proteger.

PACTO DE EMPATIA

Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, José David Urbaez afirma que o isolamento social, embora mal feito no país, funcionou relativamente no início da Covid-19 no Brasil. Mas, com a abertura das atividades e o relaxamento da população, os jovens foram os primeiros a começar a se movimentar, sendo determinantes para o aumento das infecções: — Os mais vulneráveis ainda tendem a ser mais precavidos, mas os jovens têm desempenhado esse papel (de disseminar) nas recrudescências da doença. Segundo ele, a falta de uma “intervenção potente por parte do Estado” aliada à cultura de minimizar os riscos para tentar voltar à normalidade são características que dificultam o controle da doença. A recomendação do infectologista para as festas de fim de ano é manter as medidas de segurança e postergar as comemorações para 2021.

— Dá um tchauzinho de fora da casa, abraça pelo computador — diz Urbaez. —Se a sociedade tivesse um pacto de empatia para proteger os vulneráveis, aguardaríamos o Natal de 2021 para celebrar juntos. Mas, no nosso contexto, tememos que haja um encavalamento de casos e agravamento da situação. Alguns estados começam a se ver pressionados para retomar medidas de restrição. Mesmo São Paulo e Distrito Federal, que já editaram normas mais rígidas, como diminuição de horário de funcionamento de bares, têm sido alvo de queixas.

Cientistas apontam que os atos ainda são tímidos diante da perspectiva de uma nova onda da Covid-19, que já se reflete em diminuição da capacidade de atendimento na rede de saúde. O GLOBO procurou o Ministério da Saúde sobre o fato de jovens estarem se infectando mais, questionou se há orientações oficiais ou medidas específicas para esse público, e se existem recomendações de segurança à população para as festas de fim de ano mas a pasta não retornou até o fechamento da edição. (Colaboraram Jan Niklas e Rodrigo de Souza, estagiário sob supervisão de Emiliano Urbim)