O globo, n.31898, 06/12/2020. Sociedade, p. 18

 

América Latina pode ter maior desigualdade em décadas

Ana María Montoya

Maria Teresa Santos 

06/12/2020

 

 

A América Latina e o Caribe continuam sendo as regiões mais desiguais do planeta. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), sete dos 20 países mais desiguais do mundo estão nestes territórios. A superação da desigualdade não implica apenas a melhoria do acesso à renda, mas também inclui o acesso à saúde, educação e moradia digna. Mesmo com a adoção de políticas sociais e econômicas que melhoraram esses índices, houve uma estagnação desde o início do século, à qual se somou o impacto da Covid-19.

Conhecer as desigualdades e colocá-las na agenda dos países latino-americanos são passos fundamentais para enfrentá-las. É por isso que nasceu o projeto #LatinosUnidos, que reúne lideranças, jornais do Grupo de Diários América (GDA), organizações da sociedade civil e cidadãos para aumentar a conscientização e contribuir, por meio de ações concretas, para a redução das desigualdades. Uma série de atividades se desenvolverão durante o ano de 2021 para divulgar iniciativas privadas e públicas que nos estimulam a trabalhar juntos pela equidade da região.

Na América Latina, por exemplo, os 10% mais ricos reúnem 54% da renda dos países, indicador que se torna um dos principais motivos da desigualdade. Para Luis Felipe López Calva, subsecretário-geral da ONU e diretor regional para a América Latina e o Caribe, a análise deve ser feita a partir de uma perspectiva histórica:

—A história da América Latina e do Caribe é, infelizmente, de desigualdade. Ela ocorreu em um contexto de desigualdade de poderes, de distribuição de bens e de terras.

PANDEMIA É COMPLICADOR

Entre 2003 e 2008, 72 milhões de pessoas na região entraram na classe média, com a pobreza sendo reduzida quase pela metade. Mas nem todos os que saíram dessa situação alcançaram segurança econômica e, assim, um em cada três latino-americanos é vulnerável a voltar para a pobreza.

—Somos uma região de renda média, mas não conseguimos nos consolidar em nações de classe média —diz Calva. E a pandemia intensifica essas desigualdades. Na educação, menos de 30% dos alunos mais vulneráveis do ensino médio têm acesso a um computador em casa. E nela está a base para a consolidação dos empregos formais. Segundo dados do Centro de Estudos Distributivos, Trabalhistas e Sociais (Cedlas) e o Pnud, na maioria dos países da região mais de 70% dos trabalhadores das classes mais pobres estão no setor informal.

—A pandemia tornou as desigualdades muito mais evidentes —enfatiza Calva. —É crucial fazer um grande investimento na área digital que permita a inclusão financeira.

MULHERES MAIS ATINGIDAS

Secretário-geral da ONU, o português António Guterres tem frisado que a previsão é de que o impacto da pandemia se traduza na maior contração econômica na região em um século. Embora se esperasse que a taxa de pobreza das mulheres diminuísse 2,7% entre 2019 e 2021, as projeções apontam para o contrário: um aumento de 9,1%. Soma-se a isso que, com a pandemia, o trabalho doméstico, que as mulheres da região realizam há anos, aumentou, obrigando as a abandonar o emprego ou se engajar em atividades informais.

Entre os desafios, é urgente recuperar e fortalecer o mercado de trabalho. De acordo com os indicadores do Conselho Empresarial IberoAmericano (Ceib), um em cada cinco trabalhadores pode ficar desempregado por conta da pandemia.

— Para podermos superar essa crise com garantias, precisamos recuperar a agenda de integração, fortalecendo as cadeias de valor regionais e o comércio intrarregional — afirma Narciso Casado, secretário permanente do Ceib.

Com reportagem adicional do Grupo de Diários América (GDA), uma aliança de 11 jornais da América Latina que inclui O GLOBO