O Estado de São Paulo, n.46339, 31/08/2020. Economia, p.B5

 

Mercado de crédito de carbono entra na mira de empresas

Vinicius Neder

31/08/2020

 

 

Natura já considera emissões ao definir custo de novos produtos, enquanto Shell cria área para calcular créditos para compensação

A negociação de direitos de emissão de carbono, com compra e venda numa espécie de “mercado verde”, ainda parece algo de um futuro distante no Brasil, mas algumas grandes empresas já começaram a calcular internamente o “preço” de liberar gases do efeito estufa. O objetivo é sair na frente numa tendência que parece irreversível – a taxação sobre as emissões – e se preparar para o mercado global previsto no Acordo de Paris, de 2015. Quando for realidade, o sistema internacional poderá render bilhões para países que consigam ir além de suas metas de redução da poluição, e o Brasil é candidato a sair ganhando.

Líderes do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) estimam que os créditos de carbono oriundos da preservação da Amazônia poderiam render US$ 10 bilhões ao ano para o Brasil. Sem estimar valores, estudo da petroleira Shell calculou que o País poderia absorver da atmosfera 2,7 bilhões de toneladas de gases por ano – conforme a companhia, para conter o aquecimento global, é preciso cortar 11 bilhões de toneladas por ano.

Enquanto a diplomacia não avança no sistema previsto no Acordo de Paris, alguns países locais se adiantaram na taxação do carbono para controlar as emissões. A lógica é, pelo preço, incentivar atividades menos poluentes. Em 46 países e 28 governos subnacionais há alguma forma de cobrança, segundo relatório do Cebds. Alguns governos optaram por criar tributos sobre emissões, outros por criar mercados locais, dos quais participam as empresas poluentes – os principais são o da União Europeia e o da Califórnia.

No Brasil, o Cebds defende a segunda opção, e o Ministério da Economia deverá apresentar, até o fim do ano, uma proposta sobre o assunto, como mostrou o Estadão em julho.

Embora quase metade dos gases eliminados no Brasil venha do desmatamento, enquanto a cobrança sobre o carbono é considerada eficaz para segurar a poluição de indústrias e usinas de energia, um mercado local deixaria o setor privado brasileiro pronto para as transações internacionais, quando forem regulamentadas.

Além disso, com a cobrança pelas emissões se espalhando, calcular o custo da poluição será importante tanto para exportar quanto para atrair investidores em ações e títulos de dívida, dizem executivos. “Fundos de investimento e empresários defendem essa agenda porque o negócio não vai dar certo se não for assim”, diz Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia do meio ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

A Natura, de 2007 a 2018, compensou 3,6 milhões de toneladas de gases, gerando R$ 1,6 bilhão. Em 2019, investiu R$ 33,5 milhões nas comunidades impactadas, incluindo 38 projetos que geraram créditos de carbono. Nos processos internos, investe em materiais de menor impacto, e os projetos de produtos incluem as emissões nos custos, diz a diretora global de Sustentabilidade da Natura & Co., Denise Hills.

O desafio é maior nas indústrias que poluem mais. No setor do petróleo, a subsidiária da Shell no Brasil criou uma área para calcular “créditos de carbono” em ações de compensação. Na indústria do cimento, a luta é por combustíveis alternativos, diz o coordenador de Sustentabilidade da Votorantim Cimentos, Fábio Cirilo. Por isso, a empresa, com fábricas em 11 países, investe no uso de resíduos sólidos – pneus e lixo urbano não reciclável – e biomassa. No Brasil, 29% do combustível vêm de fontes alternativas. Segundo Cirilo, a companhia já inclui nas avaliações de projetos de investimento cálculos internos sobre o custo de emissões.

Para o professor Carlos Eduardo Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Gema) da UFRJ, as iniciativas são pontuais. No fim das contas, as emissões do Brasil seguem elevadas, por causa do desmatamento. Para o professor, apenas a regulação do Estado, como na Europa e na Califórnia, terá efeito, mas a agenda do governo Jair Bolsonaro está voltada para desregulamentar e reduzir a fiscalização ambiental. “A economia do baixo carbono é do século 21, mas, no Brasil, estamos voltando para uma economia pré-industrial”, afirma Young.

• Longe do ideal

“A economia do baixo carbono é do século 21, mas, no Brasil, estamos voltando para uma economia pré-industrial.”

Eduardo Young

PROFESSOR DA UFRJ