Correio braziliense, n. 21012, 04/12/2020. Economia, p. 9

 

Auxílio não será mais necessário, diz governo

Marina Barbosa 

04/12/2020

 

 

Apesar de ter vindo abaixo do esperado, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) foi usado pelo Ministério da Economia como uma forma de justificar o fim do auxílio emergencial. Nota técnica da Secretaria de Política Econômica (SPE) alega que o resultado mostra que a economia está se recuperando "em V" da crise causada pela pandemia de covid-19 e, por isso, não vai precisar de auxílios governamentais em 2021.

A nota da SPE, que é chefiada pelo economista Adolfo Sachsida, afirma que a "vigorosa recuperação da atividade" foi "ampla e alcançou praticamente todos os setores e subsetores da oferta, assim como a maioria dos componentes da demanda". E diz que "a atividade continuará crescendo a taxas elevadas no final do ano". Por isso, avalia que "o bom resultado no segundo semestre de 2020, a retomada dos empregos e a continuidade da expansão do crédito sugerem que a economia continuará avançando em 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais".

O crescimento de 7,7% do terceiro trimestre, contudo, veio abaixo do esperado pelo mercado e, segundo os analistas, ainda pode desacelerar, já que foi muito influenciado pelo consumo das famílias, que cresceu 7,6%, puxado exatamente pelo auxílio emergencial. "A economia está andando em uma marcha elevada por conta do impulso do auxílio emergencial. Mas, já tem comércio dizendo que a demanda caiu depois que o benefício foi para R$ 300. E, quando o auxílio terminar, vai voltar a andar em marcha normal. Ou seja, vai perder fôlego", alertou o professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Joilson Cabral.

A SPE argumenta, ainda, que "a forte elevação da taxa de poupança (17,3% do PIB), que alcançou o maior valor para o terceiro trimestre desde 2013, sinaliza que a trajetória de consumo será suavizada no começo de 2021 sem a necessidade de novos auxílios governamentais". Assim, "o escudo de políticas sociais criado para amenizar o sofrimento econômico e social causados pela pandemia deve ser desarmado, dando espaço para a agenda de reformas estruturais e consolidação fiscal — único meio para que a recuperação se mantenha pujante".

Professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ecio Costa concorda que esses fatores podem ajudar a manter a economia girando no próximo ano e lembra que a retomada econômica vai permitir que os trabalhadores informais que hoje recebem o auxílio retomem suas atividades. Porém, diz que o ideal seria ter um programa social mais robusto do que o Bolsa Família em 2021, já que nem todos podem ter essa oportunidade e o Bolsa deve atender 15,2 milhões de famílias, ante as 68 milhões de pessoas que foram atendidas pelo auxílio.

"A questão é que temos um problema fiscal muito sério. Por isso, o governo e o Congresso precisam se alinhar para aprovar reformas para liberar recursos", disse Costa. Ele frisou, ainda, que tudo isso vai depender da evolução da covid-19, pois uma segunda onda da pandemia pode exigir a liberação de mais uma rodada do auxílio emergencial, mesmo que em porte menor.

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Benefício sustenta consumo 

Vera Batista 

Edis Henrique 

04/12/2020

 


No terceiro trimestre do ano, o consumo das famílias (que representa 65% do PIB brasileiro) teve expansão de 7,6%, apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento, em grande parte, deveu-se ao auxílio emergencial do governo para as pessoas de baixa renda. No entanto, na comparação com o mesmo período de 2019, foi registrada queda, pelo terceiro trimestre seguido (-6%), influenciada pela pandemia de covid-19, que afetou negativamente o mercado de trabalho.

A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, observou que a alta no terceiro trimestre ocorreu especialmente na área de bens duráveis e da cadeia agroalimentar. Para Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o cenário para o consumo das famílias, este ano, não é dos melhores. A economia deverá encolher 4,3%, com o consumo das famílias e o comércio cedendo 4,5% e 5,2%, respectivamente. "Mas, para 2021, diante da perspectiva cada vez mais concreta de aplicação de vacinas contra a covid-19 e a menor taxa básica de juros da história, a CNC projeta avanço de 3,4%", disse.

"O valor do auxílio emergencial — tão importante para a retomada do crescimento — tem sido menor nos três últimos meses do ano", disse Bentes. "Neste cenário, a volta do PIB ao nível pré-pandemia deverá ocorrer no primeiro trimestre do próximo ano", previu.

Para Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o consumo das famílias vai depender, daqui para a frente, do destino que o governo vai dar a essa ajuda à população carente. "O auxilio foi crucial. Mas, não se sabe se será retirado, se vai ser substituído ou extinto. Essas respostas é que vão indicar o comportamento da economia", destacou.

Moradora do Riacho Fundo 1, Juliana Meireles Dias, 23 anos, estudante universitária, disse que se mantém com o auxílio emergencial desde que perdeu o estágio, em setembro. "A situação está complicada. Não consigo fazer home office porque não tenho computador. Minha mãe está desempregada e era com a bolsa de estágio que pagava as contas", disse. "Quando fui demitida, tive que correr atrás do auxílio e segurar na mão de Deus. Este mês, estou pagando contas de internet e outras que estavam atrasadas há dois meses", revelou.

Situação parecida vive Raquel da Silva Farias, 36 anos, moradora de Luziânia (GO). Ela começou a receber o auxílio logo no começo da pandemia. "Eu recebo como mãe solteira e não tenho outra renda. Agora, com a redução do valor e com o preço alto dos alimentos, água, luz e gás, a situação está muito complicada, não somente para mim, mas para todas as mães solo", afirmou.

Raquel diz que suas expectativas não são boas para o próximo ano. "O mínimo que o governo deveria fazer seria estender o auxílio até o fim real da pandemia", disse. Raquel. Lucimara Garcia, moradora de Cambuquira (MG), 50, e trabalhadora rural, passa pela mesma dificuldade. "A realidade é pior do que parece. Comecei recebendo R$ 1.200, mas, hoje, só consigo R$ 332,00. É humilhante enfrentar filas imensas para pegar somente esse valor. Queria saber se algum político viveria com apenas esse auxílio", questionou.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo