Correio braziliense, n. 21012, 04/12/2020. Mundo, p. 12

 

A pandemia está sem freios nos EUA

Rodrigo Craveiro 

04/12/2020

 

 

Neste momento, 100.226 pessoas estão hospitalizadas nos Estados Unidos depois de contraírem o Sars-CoV-2. Entre a manhã de quarta-feira e a manhã de ontem, 200.070 norte-americanos testaram positivo para o novo coronavírus e 2.804 morreram, vitimados pela covid-19. É o maior número de óbitos em um intervalo de 24 horas desde o início da pandemia. Como base de comparação, o Brasil registrou, ontem, 50.434 casos da doença e 755 mortes. Com o sistema de saúde sobrecarregado e com menos de 15% das unidades de terapia intensiva disponíveis, a Califórnia impôs novas medidas de restrição social em alguns dos condados. Pelos próximos 21 dias, algumas cidades ficarão obrigadas a fechar salões de beleza, playgrounds e centros de entretenimento familiar. Os restaurantes terão permissão para funcionar apenas para o serviço de entrega. Os estabelecimentos comerciais de varejo, por sua vez, somente poderão operar com 20% da capacidade. O estado mais populoso dos EUA registrou, entre quarta-feira e ontem, 19.140 infecções. Até o fechamento desta edição, os Estados Unidos contabilizavam 14.086.016 casos da covid-19 e 275.550 óbitos. O mundo, por sua vez, atingiu ontem as marcas de 1.502.728 mortos e 65.016.336 infecções.

Robert Redfield, diretor do Centro de Controle de Doenças (CDC), adverte que os próximos três meses "serão os mais difíceis" da história da saúde pública norte-americana. "Infelizmente, estamos assistindo a uma onda de contágios pelo país. Cerca de 90% dos nossos hospitais estão situados naquilo que chamamos de 'zonas quentes', em áreas de alta transmissão do coronavírus. O aumento de internações vai impactar negativamente na capacidade dos hospitais. Estamos em um período muito crítico para conseguirmos manter a resiliência do nosso sistema de saúde", afirmou. O CDC estima que, apenas na semana do Natal, os EUA contabilizem entre 9.500 e 19.500 mortes. Na noite de ontem, o presidente eleito Joe Biden pediu ao infectologista Anthony Fauci, chefe da força-tarefa da Casa Branca para o combate à covid-19, que faça parte da equipe do novo governo.

Exaustão

Na unidade de terapia intensiva (UTI) para covid-19 do United Memorial Medical Center, em Houston (Texas), 88 dos 117 leitos estão ocupados. Joseph Varon, médico intensivista e diretor-geral do hospital, sente na pele a pressão. "Estou exausto. Tenho trabalhado por 259 dias consecutivos, sem um único dia de folga", afirmou ao Correio, por telefone, o mexicano que foi protagonista de uma foto que ganhou o mundo (leia o depoimento). "Ser médico em uma UTI nos EUA é frustrante. Vejo pacientes com covid-19 todo o santo dia. Minhas enfermeiras se põem a chorar, no meio do expediente, à medida que mais doentes chegam em nosso hospital", desabafou.

Varon lamenta que, cada vez mais, os cidadãos saem às ruas, ignoram o distanciamento social, abandonam o uso da máscara e se aglomeram em festas. "Somos nós que lidamos com as consequências", desabafa. "Estamos nessa situação por conta das liberdades que temos nos Estados Unidos. Nasci no México, mas vivo nos EUA há 33 anos. Por aqui, podemos dizer 'Não vou colocar a máscara' e ninguém pode nos obrigar a fazê-lo", disse. O médico relatou que, em mais de oito meses de pandemia, teve contato com histórias comovedoras de pacientes. "Desde aqueles que eram jovens e faleceram por conta da covid-19 até aqueles bem velhinhos, que se recuperaram sem problema. As UTIs de covid-19 são muito frias."

Em meio a esse cenário crítico, as autoridades de Washington esperam começar a imunizar a população norte-americana ainda neste mês. A FDA, agência reguladora de drogas e medicamentos, recebeu pedidos de autorização para as vacinas Pfizer/BioNTech e Moderna (leia na página 14). A expectativa do governo Donald Trump é de que, com essas duas vacinas, 100 milhões de pessoas sejam inoculadas até o fim de fevereiro. "Uma vez que a vacina esteja pronta e aprovada, Kamala Harris (vice) e eu vamos garantir que ela seja distribuída de forma equitativa, eficiente e gratuita para todos os americanos", tuitou Joe Biden.

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A história por trás da imagem que viralizou 

04/12/2020

 

 

"Sou chefe do comitê executivo e diretor-geral do hospital United Memorial Medical Center, em Houston (Texas). Tenho seis especialidades, incluindo as de médico intensiva, pneumologista, médico de urgências e pediatra. Sou muito aberto aos meios de comunicação, pois quero que as pessoas saibam o que se passa nas unidades de terapia intensiva para covid-19. Em 26 de novembro passado, no Dia de Ação de Graças, estava acompanhado pelo fotógrafo Go Nakamura. Quando caminhávamos dentro da unidade, um de meus pacientes, de 78 anos, estava parado e orando muito. Inconsolável, ele chorava como criança. Sem lembrar-me que Nakamura estava atrás de mim, eu me aproximei dele e lhe perguntei: 'O que se passa?' A resposta dele foi: 'Eu quero estar com minha esposa'. Nesse momento, me deu muita tristeza e eu o abracei, sem saber que Nakamura tirava as fotos. Tudo o que eu queria fazer era conversar com o paciente e tranquilizá-lo. Esse senhor recebeu alta ontem (quarta-feira)."

Joseph Varon, médico da Unidade de Terapia Intensiva para covid-19 do United Memorial Medical Center, em Houston (Texas). Em depoimento ao Correio, por telefone