Correio braziliense, n. 21012, 04/12/2020. Ciência & Saúde, p. 14

 

Avanços no controle da transmissão viral

Vilhena Soares 

04/12/2020

 

 

Enquanto os países começam a divulgar calendários de vacinação, surgem mais avanços científicos que poderão ajudar no combate à covid-19. Duas pesquisas divulgadas ontem mostram ganhos significativos na área de controle da transmissão do Sars-CoV-2. Estudo divulgado no periódico New England Journal of Medicine mostra que a vacina da empresa Moderna gera anticorpos no organismo humano por até 90 dias. Já na revista Nature Micriobiology, cientistas norte-americanos apresentam um medicamento para a gripe que reduz a carga viral do novo coronavírus e diminuiu a transmissibilidade da enfermidade em furões.

A equipe estadunidense explica que os remédios usados atualmente para tratar a covid-19, como o remdesivir e o soro convalescente, são inadequados no controle da transmissão comunitária do vírus. Isso porque não podem ser administrados por via oral, o que dificulta o tratamento de um número maior de pessoas. Os cientistas resolveram testar a eficácia do medicamento MK-4482/EIDD-2801, com potencial para resolver os embates. "Esse remédio pode ser administrado por via oral e ajudou a prevenir a transmissão do vírus influenza em porquinhos-da-índia e em camundongos", relatam os autores do artigo, liderados por Richard Plemper, pesquisador da Universidade Estadual de Geórgia.

Para avaliar melhor os efeitos da droga, furões foram tratados com diferentes abordagens ao longo de três dias: receberam, duas vezes ao dia, 5mg ou 15mg da droga cerca de 12 horas após serem infectados ou receberam 15mg, 36 horas depois do contágio. Havia ainda um grupo de controle, que não recebeu o medicamento. "O RNA da Sars-CoV-2 foi detectável nos tecidos nasais de todos os animais, mas em quantidade significativamente reduzida nos grupos tratados com a droga", frisaram os cientistas.

Os autores também avaliaram se o medicamento poderia suprimir a transmissão do vírus. Para isso, reuniram, em um mesmo alojamento, animais saudáveis com furões que receberam a droga 12 horas após a confirmação de infecção pelo Sars-CoV-2. Três dias depois, não foram detectadas, nos furões saudáveis, partículas infecciosas do vírus. Isso mostra que o uso do medicamento impediu que esses animais contaminassem os saudáveis, segundo os cientistas.

Já quando animais infectados que não receberam o medicamento foram postos no mesmo ambiente que cobaias saudáveis, todos os furões foram contaminados. "É necessário frisar que a eficácia antiviral da MK-4482/EIDD-2801 em humanos é desconhecida. No entanto, os resultados em nossos experimentos indicam que esse medicamento pode ter o potencial de bloquear a transmissão do Sars-CoV-2", enfatizaram.

Adaptações

Victor Bertollo, médico infectologista do Hospital Anchieta de Brasília, explica que os resultados obtidos são positivos, apesar de bastante iniciais. "Esse medicamento testado pelo grupo pertence a uma classe de remédios chamada análogos de nucleosídeo. Eles já se mostraram eficazes no controle de outras enfermidades, como o HIV, porque conseguem bloquear uma enzima responsável pela replicação desse vírus. Mas é importante ter cautela, pois os testes foram feitos em animais", afirmou. "O remédio também foi administrado 12 horas depois do diagnóstico, mas, no nosso cotidiano, só vamos tratar um paciente quando ele demonstrar os sintomas, e isso pode demorar para acontecer."

O especialista destaca também que, se o medicamento experimental se mostrar eficaz em humanos, terá características importantes para facilitar o combate à pandemia. "É um remédio de uso oral, o que facilita o controle da transmissão da doença. Esse diferencial é importante porque outros medicamentos, por serem intravenosos, são administrados apenas em hospitais. Isso faz com que seja trabalhoso atingir um número maior de pessoas e em pouco tempo, algo necessário para a diminuição do contágio. Outro ponto importante é que é um tipo de terapia menos cara", justificou.