Título: Condenação masculina
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/02/2005, Opinião, p. A10

Os números divulgados no fim da semana pelo IBGE - segundo os quais registrou-se, entre 1992 e 2003, um aumento de 57% na diferença entre a quantidade de homens e a de mulheres no Brasil - reafirma uma tendência preocupante: a ineficiência dos programas governamentais de combate à violência e dos projetos de inclusão social de jovens na última década. Que no Brasil existem mais mulheres do que homens, não havia dúvidas. O alerta emitido pelos números recém-divulgados está no crescimento contínuo da diferença. Em 1992, o IBGE detectava uma ''sobra'' de 2,7 milhões de mulheres na população brasileira, então com 145 milhões. Onze anos depois, quando a população atingia 174 milhões, o ''excedente'' feminino aumentou para 4,3 milhões. Para cada grupo de 100 mulheres, havia 95,2 homens em 2003.

O Rio de Janeiro detinha a relação mais elástica de todas as regiões metropolitanas: 86,5 homens a cada 100 mulheres. Não à toa. Boa parte da diferença é explicada, segundo os especialistas, por um fenômeno que ganhou o nome de sobremortalidade masculina. Eis o resultado da epidemia de violência que afeta especialmente as grandes cidades. Os homens, de acordo com as estatísticas, estão mais expostos aos riscos de morte.

Os números falam por si: desde 1990, foram assassinadas cerca de 700 mil pessoas no país, a maioria homens jovens, que não tiveram o direito de crescer. Entre 1980 e 2003, as mortes por causa externa (homicídio, acidente e outras) subiram mais de 50% entre os homens situados no grupo de 20 a 24 anos. A mortalidade feminina por causa violenta ficou praticamente inalterada nessa faixa.

Embora outros fatores justifiquem o crescimento contínuo da diferença entre os universos masculino e feminino, os números sinistros do IBGE evidenciam um sinal perturbador para o futuro, sobre o qual o poder público precisa deter-se com especial atenção. Contra tais evidências, afinal, não há outro remédio senão melhorar os programas interdisciplinares para os jovens.

A baixa qualidade do ensino público soma-se, por exemplo, à inexistência de programas conjuntos para jovens de baixa escolaridade entre prefeituras, governos estaduais e federal. Acrescentem-se as taxas elevadas de desemprego verificadas nos últimos anos e, sobretudo em cidades como Rio e São Paulo, as sucessivas derrotas das autoridades para a brutalidade do tráfico de drogas.

Tudo somado, tem-se uma realidade explosiva, que vai muito além das habituais reclamações femininas de que está cada vez mais difícil encontrar um companheiro. Trata-se, antes disso, de uma condenação macabra - e antecipada - de uma geração.