Valor econômico, v. 21, n. 5165, 12/01/2021. Política, p. A12

 

Lira aceita debater projetos sobre polícias

Marcelo Ribeiro

Vandson Lima

12/01/2021

 

 

Baleia afirma que propostas são sem sentido e diz que União e Estados devem cooperar entre si
Principais candidatos ao comando da Câmara, os deputados Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP) deram sinalizações diferentes sobre o futuro dos projetos de lei que pretendem restringir o poder político dos Estados sobre as polícias civil e militar e os bombeiros de todo o país.

Enquanto o emedebista fechou as portas para o debate, o líder do PP indicou que os textos poderiam ser analisados se houver concordância da maioria dos líderes da Casa. Entre os senadores, Major Olímpio (PSL-SP) disse que “não há a menor possibilidade” de os projetos em discussão no Congresso Nacional, que propõem mudanças na estrutura das polícias, reduzirem o poder de comando dos governadores sobre as polícias civil e militar.

Reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” revelou que propostas que tramitam no Poder Legislativo podem limitar o controle político dos governadores sobre as polícias ao prever mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais, além de impor condições para que eles sejam exonerados antes do prazo. Em entrevista coletiva, Lira repetiu ontem a fórmula que vem usando para responder perguntas sobre propostas polêmicas. Ele disse que, se for eleito presidente da Câmara, poderá pautar as propostas caso a maioria dos líderes concorde.
“A gente tem que primeiro separar o que o deputado Arthur pensa do que o possível presidente da Câmara vai fazer. Eu não vou engavetar projeto que eu não concorde e nem pautar projeto que eu ache que é o correto. Nosso encaminhamento é não ter preconceito com nenhuma pauta”, disse Lira. “Qualquer projeto que tenha uma maioria no colégio de líderes, que tenha um pedido de urgência aprovado, será pautado e o plenário vai resolver esse assunto”, completou.

O líder do PP é apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, cujos aliados defendem o avanço das propostas quando os trabalhos do Legislativo forem retomados. Adversário de Lira, Baleia demonstrou, em nota enviada pela assessoria de imprensa, ter mais resistência com o avanço dos projetos. “Segurança pública é um tema constitucional. Por isso, não vejo sentido nessa proposta. Devemos buscar convergências. Que a União e os Estados cooperem entre si em vez de concorrer um com os outros. Temos de respeitar as realidades regionais e locais. E assim fortalecer as instituições e seus quadros”.
Coordenador da bancada de segurança pública, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), que aposta em uma candidatura avulsa para presidir a Câmara, defendeu o projeto, mas admitiu que ainda é preciso avançar no debate interno com as corporações. Entre os parlamentares da oposição, não houve boa recepção. O líder do PT na Câmara, Ênio Verri (PR), disse ser contrário ao avanço dos textos. “As polícias militares tem que ser subordinadas aos governadores. É um equívoco fazer isso daí. O debate é o inverso. Existe hoje excessiva autonomia da polícia militar e as vezes é preciso que o governo tenha mais poder”. No mesmo sentido, o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), classificou as propostas ccomo “péssimas”. “É uma ideia errada, no lugar errado, na hora errada. Um ataque frontal à federação e à democracia. A polícia precisa de uma nova lei orgânica, que valorize os homens e mulheres que se dedicam à nossa segurança, mas o caminho escolhido não ajuda nisso. Ao contrário”.
No Senado, Olímpio afirmou não ver chances de os governadores perderem controle sobre as corporações. “Não sei se por infelicidade ou má interpretação, saiu essa notícia como se a intenção dos projetos fosse tirar a coleira dos PMs. Não vai tirar coleira. Quem paga o salário é o Estado, que continuará a ter poder de mando. Te garanto que 90% dos conteúdos são óbvios. É basicamente sobre padronização de benefícios e hierarquia”, disse o senador do PSL, que relatou ter recebido ligações de parlamentares preocupados com as propostas. “Criou um mal estar danado com governadores e o Congresso. No Senado, tem 14 ex-governadores, obviamente eles não aprovariam. Esse não é o ponto principal da proposta".

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Blindagem a PMs atende a plano de Bolsonaro

Cristian Klein

12/01/2021

 

 

Especialista avalia que propostas poderiam ter impacto fiscal de até R$ 150 bilhões
Especialistas em segurança pública consultados pelo Valor criticaram os dois projetos de lei que buscam dar autonomia às polícias civil e militar e são defendidos por aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso. Tanto o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, quanto o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, e a cientista política Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, consideram que as propostas, se aprovadas, representariam uma “blindagem” das corporações, com graves consequências políticas, institucionais, fiscais e para as eleições presidenciais em 2022.

“Esse projeto significa a blindagem definitiva e irreversível das polícias e a declaração de sua independência, o que corresponderia, sejamos francos, ao fim das veleidades democráticas no Brasil. Populações vulneráveis já são reféns. Governadores já são reféns. A resistência pela democracia sofreria seu revés mais grave”, afirma Soares.

Para Renato Sérgio de Lima, entre os pontos mais preocupantes está o processo de federalização da segurança pública brasileira - cuja competência é estadual segundo a Constituição de 1988 - agravado pela falta de controle do poder político. Ele argumenta que a reforma da Previdência, de 2019, já incluiu um “jabuti” nesse sentido, ao atribuir ao presidente da República, e não aos governadores, a prerrogativa de legislar sobre o assunto no que se refere à polícias. “Ou seja, é uma coisa que vem acumulando, de pouquinho em pouquinho. Vai fechando o cerco e, chega em 2022, está tudo dominado, para usar uma expressão popular”, diz.

Para Lima, os projetos passam ao largo de preocupações da área, como a eficácia do policiamento, e se atêm a questões de prerrogativas e status: “É uma peça que, de segurança pública, não tem nada. É de blindagem corporativista. Os governadores passariam a ser meros pagadores de folha”. Ou nem isso, aponta. Lima afirma que a tendência é que a União passasse a arcar com a despesa, como já ocorre em relação à capital federal, por meio de um fundo constitucional. “A União já paga as policias do DF. O projeto não fala isso, porque se falasse, obviamente, a área econômica não aprovaria. É um jabuti. Mas esse é o resultado lógico”, afirma. O analista diz que os gastos dos Estados com a folha de segurança giram em torno de R$ 70 bilhões. Mas poderiam chegar a R$ 150 bilhões com as reivindicações de isonomia com a polícia do Distrito Federal, a mais bem remunerada.
Lima lembra que a proposta relativa à Polícia Militar é de 2001 mas foi no governo Bolsonaro que ganhou força “exatamente por esse pacto tácito” que o presidente “tem com os policiais”. O especialista afirma que a invasão do Congresso dos Estados Unidos por apoiadores do presidente Donaldo Trump, na semana passada, mostrou que a preocupação “não é um mero diletantismo de alguns analistas”. O Bolsonaro está tentando construir por baixo essas duas leis porque aí as polícias teriam autonomia total para rivalizar com os governadores, e ele ter a prerrogativa de poder controlar e decidir o destino das polícias, o que as fariam até mais poderosas que as Forças Armadas”, diz.

Ele lembra que jornais como “The Washington Post” e “The Guardian” apontaram que “vários dos manifestantes que invadiram o Capitólio eram policiais”. “Imagine agora algo nas eleições de 2022 parecido com o que aconteceu com o Trump e as polícias lá na frente digam: ‘Ah, a gente não aceita, acha que teve fraude’. Quem é que vai segurar?”, diz.

De acordo com o projeto sobre a Polícia Militar, o comandante da força seria escolhido por lista tríplice enviada pela corporação e só poderia ser demitido com o aval da Assembleia Legislativa.

Para Ilona Szabó, além de conflitar com o pacto federativo brasileiro, as propostas pretendem dar uma autonomia às polícias que são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Em sua opinião, “as instituições armadas do Estado, como as polícias e as Forças Armadas, precisam estar sob comando civil e subordinadas às leis e às lideranças eleitas democraticamente”.

Defensor da desmilitarização das polícias, Luiz Eduardo Soares classifica as propostas como “um insulto à democracia” e “uma ameaça da maior gravidade ao que nos resta do Estado democrático de direito”. Ele argumenta que a transição política no Brasil, durante a redemocratização no anos 1980, em função de sua natureza negociada, permaneceu incompleta por várias razões. “Entre as quais porque os militares egressos da ditadura conseguiram inserir o artigo 144 na Constituição, por meio do qual nos tornaram herdeiros do modelo policial forjado na ditadura”, diz.
A Constituição de 1988 prevê que o artigo 144 seja regulamentado em lei, o que a bancada da bala há duas décadas tenta aprovar de acordo com seus interesses. “Não se pode confundir profissionalismo com autonomização sob o risco de criarmos anomalias graves nas instituições e resultados perigosos para a sociedade”, afirma Ilona.

Para Soares, o artigo 144, como herança da ditadura, teria produzido um enclave institucional: em plena democracia, as polícias preservaram práticas, crenças e valores racistas, classistas, refratários à democracia, ao poder civil e à autoridade republicana: “Esse fenômeno só foi possível por conta da cumplicidade de setores dominantes do Ministério Público e do Judiciário, e da pusilanimidade de lideranças políticas”.

Lima lembra que no caso do motim dos policiais militares ocorrido no Ceará, em fevereiro do ano passado, a condescendência do governo federal foi explícita. “Mesmo o então ministro da Justiça Sergio Moro não condenou a greve. E o próprio comandante da Força Nacional [Antônio Aginaldo de Oliveira] disse que eles eram ‘gigantes’”, recorda Lima, que também reclama da falha do MP no controle externo das polícias. “E aí, tanto em termos formais como institucionais e políticos, vamos criando uma instituição total, que vai decidir no fundo sobre o futuro do país”, alerta. O analista afirma que a força das duas propostas não está “no conteúdo delas, que é ruim, mas no fato de que Bolsonaro está se beneficiando de um afastamento dos governos estaduais e federal dessa pauta”: “Nunca quiseram levar adiante uma discussão mais estratégica”.

Luiz Eduardo Soares afirma que “a luta dos democratas, na segurança pública, sempre foi pela mudança do artigo 144”: “ os governadores - com variações de grau no tempo e no espaço - não comandam, efetivamente, as polícias. Eles não o admitem para não parecerem fracos e para não romperem alianças com as polícias - das quais, na prática, são reféns”.
O antropólogo afirma que “aliar-se a um poder insubordinado significa rendição política ilegal” e que essa insubordinação se constata pela “autonomização verificada na ponta, nas ações nas favelas e periferias, mostrando que até mesmo hierarquia e disciplina não existem, de fato”: “A proposta que está sendo gestada pela bancada da bala, ligada ao governo federal, é a pá de cal na luta de três décadas dos movimentos de direitos humanos pelo controle legalista da atividade policial. É o sepultamento de qualquer hipótese de reforma do modelo policial - único no mundo e sabidamente fracassado. Representa fechar o cofre e jogar a chave ao mar”.

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Doria diz que propostas provocam militarização

Ana Conceição

12/01/2021

 

 

Governador paulista se disse radicalmente contra as propostas de mudança do marco sobre policias
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ser “radicalmente contra” os projetos de lei discutidos no Congresso que reduzem o poder dos governadores sobre as polícias militar e civil. A posição, disse, foi transmitida aos líderes do partido no Congresso. Segundo ele, a proposta foi inspirada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em sua edição de ontem, o jornal “O Estado de S.Paulo” informa que o Congresso se prepara para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder de governadores. O modelo, apoiado por aliados de Bolsonaro, propõe a criação de patentes e conselhos de polícia ligados diretamente à União, além de mandatos para comandantes e delegados-gerais.

“A proposta foi inspirada nessa visão de quem gosta de cheiro de pólvora, que é o presidente Jair Bolsonaro”. Segundo Doria, a maioria dos governadores quer manter o controle sobre as polícias. “No nosso grupo do WhatsApp dos governadores percebi que é uma posição majoritária. A maioria é contra”, disse. Para Doria, não há razões que justifiquem a discussão da proposta no Congresso, “exceto a militarização desejada pelo presidente Jair Bolsonaro para intimidar governadores através de força policial”.