Valor econômico, v. 21, n. 5166, 13/01/2021. Brasil, p. A3

 

Eficácia global da Coronavac é de 50,38%, diz Butantan

Ana Conceição

13/01/2021

 

 

Vacina é eficaz e segura, justificando o uso emergencial, afirmou Covas
O Instituto Butantan informou ontem que a Coronavac tem eficácia de 50,38%, após muitos questionamentos sobre qual seria a real eficiência global da vacina e críticas em relação ao que foi considerado falta de transparência em relação à divulgação dos números nas últimas semanas. O percentual está um pouco acima do mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 50%. A eficácia global é a capacidade de a vacina prevenir todos os casos - muito leves, leves, moderados ou graves - da doença.

“A vacina é eficaz e segura, com dados que justificam seu uso emergencial”, afirmou o diretor do instituto, Dimas Covas. O imunizante produzido em parceria com a chinesa Sinovac ainda está sendo analisado pela Anvisa.
Na semana passada, o Butantan informou que a vacina conseguiu prevenir 78% dos casos leves, que precisariam de alguma assistência e 100% dos casos moderados a graves, ou seja, que necessitariam de hospitalização ou internação em UTI, respectivamente. Incluídos os casos muito leves, a eficácia baixou para 50,38%. Em 23 de dezembro, Covas havia dito que a vacina atingira o “limiar” da eficiência.

Esse percentual ficou distante de imunizantes como o da Pfizer (95% de eficácia) e da Moderna (com 94,1%), mas a vacina do Butantan guarda diferenças como suas congêneres. As duas primeiras usam a tecnologia chamada RNA mensageiro, enquanto a Coronavac utiliza vírus inativados, como ocorre com as vacinas contra os vírus da poliomielite e da gripe, por exemplo. Já a vacina da Astrazeneca, que usa uma tecnologia diversa das vacinas da Pfizer e da Moderna e também da Coronovac, apresentou eficácia de 61% a 90%.
Uma diferença importante foi a população testada. Covas disse que profissionais de saúde em contato com pacientes doentes de covid-19 foram intencionalmente escolhidos para os testes por serem um grupo em que a incidência de infecção foi de 20% no Brasil, a mais alta entre as populações de risco. “É o teste mais duro que uma vacina pode enfrentar. Nenhuma outra vacina foi testada em populações assemelhadas, mas com incidências de 1%, 2%, 5%”, afirmou.

“É comparar uma corrida de um quilômetro em terreno plano com outra de um quilômetro íngreme com obstáculos”, afirmou Ricardo Palácios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan. Segundo o pesquisador, por ter passado nesse teste a vacina provavelmente se comportará melhor em níveis comunitários, ou seja, na população em geral, em que a taxa de incidência da covid-19 é menor.

Os estudos da Coronavac também não são comparáveis com os de outras vacinas, segundo Palácios por causa da definição de “casos” utilizada na pesquisa, que foi a mais abrangente possível. “Outros estudos não incluiriam casos muito leves, com apenas sintoma de dor de cabeça ou coriza por dois dias, mesmo com um teste positivo de PCR. Nós incluímos, abaixamos a barra para capturar os casos mais leves. E isso prejudica a comparação com outras vacinas.”

Foi uma decisão consciente, disse, para que os estudos da fase 3 atingissem de forma mais rápida o número de casos mínimos positivos exigidos. Mas o objetivo da vacina foi atingido, afirmou. “Temos uma vacina eficaz e segura, que diminui os efeitos da doença em ambiente extremo de exposição e controla a pandemia.” Na Indonésia, a Coronavac apresentou eficácia de 65,3% em testes preliminares.

Sobre o fato de não ter informado a eficácia global da vacina logo na semana passada, Dimas Covas rebateu as críticas e disse que o governo estadual tem sido transparente no processo de divulgação dos dados da Coronavac. “Apresentamos os dados de forma muito clara. Fizemos a divulgação antes do resultado da análise da Avisa. Isso não aconteceu com nenhuma outra vacina”. O secretário de Saúde do Estado, Jean Gorinchteyn, disse que “os ritos de informação e hierarquias foram seguidos”.
Os dados apresentados ontem pelo Butantan mostram que não houve registro de evento adverso grave relacionado à vacina, a maioria dos voluntários relatou apenas dor no local da injeção, e apenas 0,3% deles teve reações alérgicas leves. Mais de 13 mil voluntários participaram da fase 3 do estudo e os dados de eficácia divulgados ontem foram obtidos a partir de informações de 9.242 deles. O ensaio foi iniciado em julho e 252 pessoas foram infectadas pelo coronavírus. Dessas, 167 receberam placebo e 85 a vacina do Butantan.

As pesquisas com a vacina vão continuar. Quatro delas vão avaliar a eficácia em idoso, crianças e adolescentes, grávidas e pessoas com comorbidade. Também haverá um estudo para determinar o impacto da vacina na contenção da pandemia.

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Resultado é positivo, apontam especialistas

Leila Souza Lima

Gabriel Vasconcelos

13/01/2021

 

 

Cientistas avaliam que o imunizante será fundamental no combate à pandemia e que eficácia próxima do limiar não é um problema
Especialistas receberam bem a informação sobre a eficácia global da Coronavac, de 50,38%, destacando que o imunizante será fundamental no combate à pandemia. O fato de o número ficar próximo do limiar de 50% não é um problema, segundo eles. Houve alguns reparos, porém, à forma de comunicação dos dados ao longo das últimas semanas.
Fundador e presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre 1999 e 2003, o médico sanitarista Gonzalo Vecina definiu a coronavac como “extremamente segura” e diz que a vacina deve continuar no centro da estratégia nacional de enfrentamento à pandemia, entre outros fatores, devido à facilidade de produção interna. “Sou da opinião totalmente fechada de que esse número menor [do percentual de eficácia] não é um problema. O Brasil precisa de uma vacina e é essa a vacina que nós temos, com 10 milhões de dose já garantidas e uma proposta de até 140 milhões de doses a serem produzidas ainda esse ano. Temos de ir em frente.”
Ele lembra que a eficácia de 50,38% é bem superior a de uma série de vacinas como as distribuídas todos os anos contra a gripe, com taxas de eficácia que costumam variar de 40% a 60%, chegando a 35% em alguns anos. “O fato é que a coronavac é capaz de reduzir o número de casos graves e com certeza vai nos ajudar a alcançar a imunidade coletiva.”

Vecina diz ser válido o argumento dos técnicos do Butantan de que o teste aumentou o “nível de estresse” para a vacina ao envolver profissionais de saúde. “Para comprovar melhor a eficiência da vacina, se busca grupos com risco maior de contrair a doença e isso foi feito. É por essa razão, também, que o testes já não acontecem em países com poucos casos hoje, como a própria China.”
Ao analisar as informações que embasam a Coronavac, a Anvisa deverá reconhecer que o padrão mínimo de eficácia exigido pelos mecanismos internacionais de saúde e regulação foi atingido pela vacina, disse Eduardo Jorge Valadares, professor da Universidade Estadual da Paraíba. Doutor em Engenharia Biomédica pela Unicamp e professor visitante na Universidade da Califórnia, ele observa que a eficácia “pode aumentar com o tempo, conforme as informações forem coletadas”, observando que qualquer dado de eficiência, de qualquer vacina, agora é preliminar. Mas está demonstrado que ela [a imunização do Butantan] é segura.” O professor disse ainda que não se pode comparar a eficácia de vacinas testadas em ambientes e com populações tão diferentes.

O ruído provocado pela divulgação das taxas de eficácia da Coronavac não tem força para impactar a aprovação pela Anvisa, afirmou a pesquisadora Elize Massard da Fonseca, professora da Fundação Getulio Vargas. Mas segundo ela, vai requerer que o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista, aprimore a forma de reportar os dados da pesquisa sobre a vacina, de forma principalmente a se distanciar das disputas políticas que envolvem a permissão para o uso emergencial ou o registro no país. “Essa estratégia é fundamental para a adesão da população ao Plano Nacional de Imunizações.”

O dado divulgado ontem, de 50,38% de eficácia, consta das informações enviadas à Anvisa no pedido de registro emergencial da vacina. Se tivesse sido antecipado, não causaria “todo esse alvoroço”, opinou Elize.