Valor econômico, v. 21, n. 5166, 13/01/2021. Brasil, p. A5

 

Comprar soja brasileira é endossar desmate, diz Macron

Assis Moreira

13/01/2021

 

 

França volta a sinalizar forte oposição a acordo com Mercosul
O presidente Emmanuel Macron voltou a vincular a produção de soja brasileira ao desmatamento da Amazônia, e prometeu estimular a produção da commodity na França para não depender mais do Brasil nesse caso.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, Macron afirmou que “continuar a depender da soja brasileira seria endossar o desmatamento da Amazônia”. E que, quando a França importa a soja produzida a um ritmo rápido a partir da floresta destruída no Brasil, “nós não somos coerentes”.

“Você é contra os incêndios na Amazônia, mas vive das consequências disso. A maneira concreta de colocar fim [a isso] não é apenas dizer, mas agir. E agir é dizer: nós precisamos hoje da soja brasileira para viver. 
E, portanto, vamos produzir a soja europeia ou o equivalente”, acrescentou.

No ano passado, a França foi apenas o 27º maior mercado para a soja exportada pelo Brasil.

As declarações voltam a ilustrar a intenção da França de forte oposição à assinatura do acordo de livre-comércio da União Europeia com o Mercosul - pelo menos até a eleição presidencial do ano que vem, na qual Macron terá forte dificuldade para se reeleger.

Para ocorrer uma ratificação do acordo EU-Mercosul, será preciso ação concreta do governo de Jair Bolsonaro para proteção da Amazônia, e não apenas discursos.
O Departamento de Agricultura dos EUA, em avaliação sobre o acordo EU-Mercosul, publicada na semana passada, constatou também que a ratificação do tratado pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu não é certa, dadas as enormes preocupações ambientais. Lembrou que, num movimento sem precedentes, o Parlamento Europeu rejeitou simbolicamente o acordo em outubro de 2020 por causa de preocupações com as políticas ambientais do atual governo do Brasil.

“Devido a essas preocupações, se o acordo for ratificado e o Brasil obtiver maior acesso ao mercado, poderá enfrentar sanções futuras por quaisquer ações que comprometam os serviços ambientais que sua floresta tropical e outros ecossistemas fornecem.”

Para o Departamento de Agricultura dos EUA, acima de tudo está a preocupação global com a mudança climática e o papel essencial que a floresta tropical do Brasil desempenha. A biodiversidade é outra área de preocupação. As sanções no acordo birregional podem incluir o desinvestimento em ativos brasileiros por gestores de fundos na Europa e de outras regiões procurando atender às crescentes demandas dos investidores por melhor gestão ambiental e sustentabilidade.

No ano passado, varejistas francesas anunciaram que não aceitariam soja brasileira de áreas desmatadas, mesmo legalmente, em 2021.

Como o Valor já publicou, o governo Macron delineou um programa para aumentar a produção de soja. Com o dinheiro de emergência que recebeu da Comissão Europeia para retomada da economia pós-pandemia, a França destinou € 100 milhões para o projeto.

O ministro da Agricultura, Julien Denormandie, explicou na ocasião que a França não podia aceitar ser tão dependente das importações de soja brasileira.

Porém, o ceticismo é forte no setor agrícola francesa. O presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Nutrição Animal, François Cholat, declarou em outubro ao Valor que “o objetivo é bom, mas não acredito. É o quinto projeto nos últimos 20 anos. E cada vez esbarra no problema econômico”.
Segundo ele, a soja francesa é 25% mais cara que a brasileira ou americana. Num contexto econômico complicado, é difícil o produtor abrir mão da soja especialmente rica em proteínas do Brasil.

As importações de soja brasileira caíram de 5 milhões de toneladas para 3 milhões nos últimos anos. Parte do farelo de soja importado foi substituída por farelo de colza produzido na Europa.

A superfície destinada à soja na Europa dobrou para mais de 1 milhão de hectares, desde a reforma da Política Agrícola Comum em 2013, e a produção atingiu o recorde de 2,8 milhões de toneladas em 2017/2018. Os principais produtores são Itália, França e Romênia.