Valor econômico, v. 21, n. 5167, 14/01/2021. Política, p. A10

 

Bolsonaro sabota combate à pandemia, diz ONG

Cristiane Agostine

14/01/2021

 

 

Sob o governo Bolsonaro, imagem do Brasil perante o mundo piora e aumentam casos de desrespeito aos direitos humanos, diz ONG internacional
A marca de 205,9 mil mortes por covid-19 no país, com 8,256 milhões de casos da doença, é resultado de sucessivas tentativas de o presidente Jair Bolsonaro “sabotar” o combate à disseminação da pandemia, com ações contrárias à ciência e que comprometem os direitos humanos. A avaliação é da ONG internacional Human Rights Watch, que divulgou ontem um relatório sobre a situação dos direitos humanos em mais de 100 países. Sob o governo Bolsonaro, a imagem do Brasil perante o mundo piorou, sobretudo durante os dez meses da pandemia.

No capítulo referente ao Brasil, a 31ª edição do relatório mundial da Human Rights Watch registra que Bolsonaro “minimizou a covid-19”, “tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter a propagação da pandemia”, “recusou-se a adotar medidas para proteger a si mesmo e as pessoas ao seu redor”, “disseminou informações equivocadas” e “tentou impedir os governos estaduais de imporem medidas de distanciamento social”.
O governo federal criticou o trabalho da ONG e, em publicação no Twitter, disse que é uma “narrativa mentirosa”. Entre as ações para combater a pandemia, citou o auxílio emergencial e disse que “milhões de vidas e empregos [foram] preservados”. Afirmou ainda que busca “parcerias internacionais e soluções como vacinas, com responsabilidade e seriedade”. O governo, no entanto, não tem data prevista para iniciar a vacinação.

A ONG lembra que o governo tentou restringir a publicação de dados sobre a covid-19, demitiu um ministro da Saúde por defender as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e o sucessor na Pasta deixou o cargo em razão da defesa do presidente de um medicamento sem eficácia comprovada para tratar a doença.

Pesquisador sênior da Human Rights Watch, César Muñoz afirma que as respostas do governo Bolsonaro no combate à pandemia têm sido um “desastre”. “O presidente não foi só negligente, ele tentou sabotar a ação de outros, como os governadores. Ele ficou atrapalhando”, diz Muñoz. “Em uma situação de extrema gravidade, espera-se um plano de ação baseado na ciência, na transparência e que seja responsável. O que aconteceu no Brasil foi o contrário. O governo colocou interesses políticos na frente da ciência e da saúde.”

O levantamento da Human Rights Watch destaca o papel das instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, e até mesmo dos governadores para fazer um contraponto ao governo e frear ações de Bolsonaro. “Foi fundamental para ter ao menos o mínimo de resposta à covid, já que as respostas do governo federal têm sido um desastre”, diz o pesquisador sênior da entidade.

Os problemas vão além do combate à pandemia, registra a ONG. A violação aos direitos humanos no Brasil é constatada também nas políticas ambientais, com o crescimento do desmatamento ilegal na Amazônia; na área de segurança, com o aumento da violência policial e da taxa de mortalidade de negros; em políticas que contrariam os direitos da mulher e das pessoas com deficiências; nas tentativas de cercear as atividades da imprensa, e nas ações para acolher refugiados.

O relatório internacional registra o aumento de mortes por policiais durante a pandemia, apesar da redução geral dos níveis de criminalidade. No país, as mortes por policiais cresceram 6% no primeiro semestre de 2020, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A letalidade policial representa 13% das mortes violentas no país, segundo dados de 2019. No Rio de Janeiro, chega a 30% dos casos e em São Paulo, a 21%.
O diretor executivo global da Human Rights Watch, Ken Roth, critica o projeto articulado pelo governo no Congresso para dar mais autonomia às polícias civil e militar e diz que Bolsonaro reiteradamente vai na direção errada para evitar o aumento da violência e dos casos de abuso policial. Na avaliação da ONG, o presidente enaltece as mortes por policiais.

O relatório destaca problemas na política ambiental, como o enfraquecimento da fiscalização, “dando sinal verde às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal na Amazônia e que usam a intimidação e a violência” contra indígenas, moradores locais e servidores que defendem a floresta. Destaca também a impunidade.

O desmatamento na Amazônia cresceu 85% em 2019, segundo dados do governo federal. De janeiro a setembro de 2020, o número de fogos atingiu o nível mais alto em dez anos. No Pantanal, até outubro mais de um quarto da vegetação foi queimada.

Em 2019, danos e invasões de territórios indígenas para explorar seus recursos aumentaram 135%, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário. No ano seguinte, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei para abrir territórios indígenas ao garimpo, hidrelétricas e outros projetos com grandes impactos ambientais.

Com o relatório internacional, a entidade pretende jogar luz em graves problemas do Brasil e pressionar o governo a mudar suas práticas. Para César Muñoz, o atual governo passa uma imagem de insegurança jurídica, com a impunidade, o que pode afetar a economia. “A impunidade é um problema central no desmatamento e na violência na Amazônia.”

Diretor executivo global da ONG, Ken Roth afirma que a mudança na Presidência dos Estados Unidos, com a eleição de Joe Biden, deverá ter um impacto direto sobre a política ambiental do governo Bolsonaro, com o aumento da pressão contra o desmatamento e contra a impunidade. “Vai ser mais difícil para continuar os ataques ao meio ambiente”, diz Roth. “Dias difíceis virão para Bolsonaro com Biden”, reforça. Para o dirigente da ONG internacional, o presidente tem sido um impedimento para o progresso global na mudança climática.