Valor econômico, v. 21, n. 5167, 14/01/2021. Mundo, p. A11

 

Câmara abre segundo impeachment, mas Trump vai encerrar mandato

Natalie Andrews

Kristina Peterson

Rebecca Balhaus

14/01/2021

 

 

Por 232 a 197 votos, dez deputados republicanos se juntaram aos democratas para aprovar o segundo processo de impeachment contra o presidente Trump
A Câmara dos EUA votou a favor do impeachment do presidente Donald Trump pela segunda vez ontem - um fato sem precedentes na história do país. No processo, Trump foi acusado de encorajar uma turba a invadir o Congresso como parte de uma tentativa de última hora para reverter a vitória eleitoral do democrata Joe Biden na eleição presidencial.
O impeachment foi aprovado por 232 votos a 197 - todos os deputados democratas mais 10 republicanos - no plenário de uma Câmara protegida por tropas da Guarda Nacional estacionadas por todo o Capitólio e arredores.
A ofensiva dos democratas pelo impeachment de Trump a uma semana do fim do seu mandato reflete o profundo ressentimento de muitos parlamentares com os meses de sua campanha contra os resultados da eleição, com falsas alegações de fraude eleitoral e tentativas de pressionar autoridades estaduais e o próprio vice-presidente Mike Pence para permanecer no poder, que culminou nas ações violentas de seus apoiadores.
“Sabemos que o presidente dos EUA incitou esta insurreição, esta rebelião armada, contra o nosso país”, disse a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi. “Ele precisa ir embora - ele é um perigo claro e imediato para a nação que todos nós amamos.”

Os republicanos, mesmo alguns dos que criticaram as ações de Trump, disseram que os democratas estavam com pressa de destituí-lo por causa de sua animosidade com o presidente e que isso apenas dividiriam o país ainda mais.

O líder da minoria na Câmara, o republicano Kevin McCarthy, disse que Trump “tem responsabilidade” pela invasão do Congresso, mas afirmou que se opunha ao impeachment e propunha uma moção de censura em seu lugar. “Uma votação de impeachment dividirá ainda mais este país, uma votação de impeachment atiçará ainda mais o fogo, a divisão partidária.”

Trump pediu ontem a seus apoiadores que não se engajem em atos de violência. Ele rejeita qualquer responsabilidade pela invasão do Congresso e classificou as iniciativas para tirá-lo do cargo por causa de seus comentários como uma continuação do que chama de caça às bruxas promovida pela oposição democrata.

Em um comunicado divulgado pela Casa Branca, Trump pediu aos americanos que “ajudem a aliviar as tensões e acalmar os ânimos” e disse que a violência e o vandalismo “não são o que eu defendo e não são o que os EUA defendem”.

A acusação do impeachment aprovada Câmara diz que Trump “deliberadamente fez declarações que, no contexto, encorajaram - e previsivelmente resultaram - nas ações ilegais no Congresso, tais como: ‘se vocês não lutarem como loucos, não terão mais um país’”.

A deputada Liz Cheney, a terceira republicana mais importante da Câmara, foi a única representante da liderança do partido a apoiar o impeachment.

A palavra final do Congresso sobre o legado de Trump estará nas mãos do Senado, que a partir do dia 20 estará dividido em 50-50, sendo que é necessário uma maioria de dois terços para condenar Trump. Alguns senadores republicanos sinalizaram que poderão se unir aos democratas e o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, disse ontem que ainda não decidiu como votará na questão.
Ainda não se saiba quando o Senado dará início ao julgamento, McConnell já deixou claro que qualquer votação ocorrerá após a posse de Biden em 20 de janeiro. Portando, a conclusão do processo de impeachment se dará com Trump já fora do cargo. Se for condenado pela casa, o Senado pode também votar para impedir o presidente de tentar se eleger novamente, conforme ele tem indicado que pretende fazer em 2024. A votação pela inegebilidade requer apenas uma maioria simples.

A votação de ontem foi realizada sete dias depois que manifestantes invadiram o Congresso, suspendendo a sessão de certificação da vitória de Biden e aterrorizando parlamentares e assessores. A votação de ontem aconteceu 13 meses depois da primeira tentativa de impeachment de Trump no fim de 2019, por causa de seus esforços para pressionar a Ucrânia a investigar Biden. Na ocasião, nenhum republicano uniu-se aos democratas na votação das duas acusações do impeachment e só um senador republicano votou pela condenação, em uma das acusações. Trump negou qualquer irregularide.
A votação de impeachment de ontem foi a mais rápida da história os EUA e faz de Trump o primeiro presidente americano a passar por dois processos de impedimento. Os democratas da Câmara introduziram o processo na segunda-feira e o aprovaram ontem, depois de tentar, sem sucesso, convencer o vice-presidente Mike Pence e membros do Gabinete a usar a 25ª Emenda da Constituição para afastar Trump do cargo.

Ao contrário dos impeachments do passado, não houve depoimentos de testemunhas ou investigações por parte de comissões do Congresso. Em vez disso, muitos parlamentares citaram descrições de primeira mão do ataque, bem como declarações públicas do presidente, nos argumentos em favor do impeachment. Segundo eles, era dever do Congresso enviar um recado.

Refletindo as divisões da bancada, Cheney enfrentou reações da parte de alguns colegas republicanos, que fizeram circular uma petição em favor de uma reunião especial para determinar se ela deveria ou não deixar sua função de líder.
O republicano Jim Jordan, um influente conservador, disse que estava apurando se seria possível desencadear uma segunda votação da bancada sobre o cargo de liderança de Cheney. “Acho que ela está totalmente errada.”

No impeachment de 2019, autoridades do departamento jurídico e de assuntos legislativos da Casa Branca se empenharam em reunir votos contra o impeachment e formaram uma “sala de guerra” no complexo onde se situa o Congresso, ao lado de vários parlamentares. Ontem chamou a atenção a ausência de autoridades da Casa Branca antes da votação.

Dezenas de grandes empresas americanas, como a AT&T e a Walmart, suspenderam as doações políticas a republicanos que foram contra a homologação dos resultados da eleição presidencial.

Após a votação de ontem, o processo vai para o Senado. McConnell já deixou claro que não pretende dar início a um julgamento imediatamente, mas ao mesmo tempo não indicou uma previsão. A Constituição americana determina que o processo deve começar no dia seguinte ao envio do processo ao Senado. Antes da votação, o líder da maioria democrata na Câmara, Steny Hoyer, disse que a expectativa é enviar o processo logo. “Minha expectativa é a de que o enviaremos assim que ele estiver pronto para isso”, disse ele.

Os democratas estão prestes a assumir o controle do Senado no fim deste mês, após dois novos senadores da Geórgia assumirem suas cadeiras e a vice-presidente eleita, Kamala Harris, se tornar a detentora do voto de Minerva.