Valor econômico, v. 21, n. 5168, 15/01/2021. Brasil, p. A2

 

Governo estuda adiar imposto de novo para dar fôlego a empresas

Edna Simão

Fabio Graner

15/01/2021

 

 

Medida para impulsionar atividade seria acompanhada de antecipação do pagamento do 13º salários de aposentados e pensionistas do INSS
O governo federal incluiu no seu cardápio de possíveis medidas de estímulo à economia neste início de ano fazer uma nova rodada de diferimento (adiamento do recolhimento) de tributos para as empresas.

Assim como aconteceu no primeiro semestre do ano passado, na linha de frente das ações de combate aos efeitos econômicos da pandemia, a ideia é dar um pouco mais de folga no caixa das empresas, uma espécie de capital de giro, para que elas possam ter maior capacidade produtiva e, se possível, abrir um espaço para o investimento.
Um técnico da área econômica frisou que esse é um instrumento que já foi usado e que está sendo discutido nesse momento. Além disso, o governo avalia a possibilidade de antecipação do 13º salário das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do abono salarial - estratégia também adotada no início da pandemia. Essa medida envolveu R$ 24,3 bilhões.

Por enquanto, a equipe econômica ainda não bateu o martelo sobre a adoção dessas medidas. Todas elas já haviam sido acionadas no ano passado para enfrentamento da crise econômica gerada pelo coronavírus e foram bem avaliadas. A retomada dessa estratégia está sendo pensada como mecanismo de dar algum suporte para a economia sem impacto fiscal, dado que essas ações, em tese, só alteram o fluxo de receitas e despesas e não seu resultado final.

No caso do diferimento de tributos federais por três meses feito em 2020, a equipe econômica tinha como objetivo dar um alívio de R$ 33,3 bilhões, recurso que seria “devolvido” aos cofres públicos a partir de agosto. Há um risco de impacto fiscal em decorrência da possibilidade de inadimplência. Ainda não foi divulgado balanço final de quanto deixou de retornar ao governo, embora a maior parte tenha sido paga na nova data que a Economia havia definido.

Desde o fim do ano passado, o ministério da Economia vem se preparando para lidar com um primeiro semestre mais duro para o nível de atividade, principalmente devido ao fim do auxílio emergencial, apesar do discurso otimista. A leitura que ainda prevalece é que o benefício, que foi de R$ 600 inicialmente e de R$ 300 depois, já cumpriu sua função e, dado o seu custo fiscal, o mais correto foi o seu encerramento no ano passado.

Agora o time do ministro Paulo Guedes vai acompanhar a reação da economia e tem uma espécie de sequência de reação prevista para garantir que o nível de atividade mantenha uma trajetória, caso haja alguma perda de fôlego por parte do setor privado.

Além do diferimento de tributo e antecipação de pagamento de benefícios adotados no ano passado para combater os efeitos do coronavírus, o governo ainda permitiu o adiamento do pagamento de contribuições previdenciárias e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), suspendeu temporariamente a cobrança de dívidas. Também houve isenção até o fim de 2020 do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de crédito que teria um impacto estimado na arrecadação de R$ 18 bilhões.

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Brasil abre compra pública a estrangeiro

Assis Moreira

15/01/2021

 

 

País fará ainda este mês primeira oferta dentro da acordo global
O Brasil vai oferecer pela primeira vez acesso para companhias estrangeiras em licitações de compras públicas tanto do governo federal como também estaduais e municipais em negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O país pediu adesão plena ao Acordo de Compras Públicas (ACP) em maio de 2020. A demanda passa por um período de negociação com os participantes. “Nossa primeira oferta já está pronta e deverá ser entregue ainda em janeiro”, afirmou o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz.
“Será uma oferta mais ambiciosa que as feitas anteriormente nos acordos comerciais do Brasil, as quais considero tímidas, e envolverá, pela primeira vez, entes sub-federais”, acrescentou.

Como a negociação para ser aceito envolve uma barganha, na primeira oferta o Brasil é mais conservador. Mas, conforme o secretário, já partirá de um patamar mais elevado do que os negociados em acordos passados, que nunca envolveram o mercado de compras públicas de estados e municípios. O resultado final das negociações negociações na OMC tem potencial para a abertura brasileira ser mais ambiciosa.

Lucas Ferraz ressalta que não se trata de abertura unilateral, porque ao mesmo tempo empresas brasileiras vão ter acesso a mercados de compras públicas bilionários de países que já participam do acordo da OMC. “O que buscamos é, à medida que haja reciprocidade dos países-membros, alcançarmos um resultado que envolva todos os entes da federação: federal, Estados e municípios”, disse Ferraz.
“Esperamos que o Brasil faça uma oferta estratégica, com exclusões bem pensadas relacionadas ao estímulo de compras públicas em inovação, tecnologia, pequenas e médias empresas”, afirmou Fabrizio Panzini, gerente de negociações comerciais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Se a negociação é bem-sucedida e equilibrada, pode conciliar ganhos nossos de exportação para outros países e preservação de políticas públicas que são estratégicas e que todas as economias fazem para estimular suas economias.”

O ACP não se aplica automaticamente a todas as aquisições feitas pelos governos dos membros desse acordo. Cada um apresenta na OMC uma lista onde facilita a participação de estrangeiros. Alguns estudos estimam que o Japão só abriu 7% a 10% de seu mercado para estrangeiros pelo ACP, a União Europeia, apenas 20%, e a Noruega, 12%, por exemplo.

O mercado de compras públicas brasileiro total é estimado em US$ 157,4 bilhões por ano, mas é um dado não recente. O governo central faz 45% das aquisições, os Estados, 25%, e os municípios, 30%. O setor público brasileiro é grande comprador de bens e serviços de todo tipo, desde commodities básicas, remédios, combustíveis, produtos têxteis a equipamentos de alta tecnologia.

Isso inclui também construção civil, serviços de saúde, seguros, material para educação, equipamentos médicos e remédios. As empresas estatais compram muitos equipamentos elétricos, por exemplo. Estados têm muita aquisição de ônibus e equipamento de transporte. A área de defesa e segurança pública compra muitos uniformes, coturnos, armamentos.

O Brasil já incluiu abertura do mercado de compras públicas em acordos com o Peru, Chile, dentro do Mercosul, no acordo Mercosul-União Europeia e no acordo Mercosul-Efta (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). Mas nenhum está em vigor, por diferentes razões, como falta de aprovação no Parlamento.

Para Panzini, o acordo na OMC é mais delicado. Não há nenhum outro grande país emergente nesse entendimento. Além disso, a possível entrada da China preocupa a indústria brasileira em razão de práticas chinesas não de mercado.
A acessão do Brasil, quando concretizada, será uma “première” na América Latina e “suscitará um interesse forte pelo mercado de compras público no Brasil e além”, segundo um relatório da entidade global.

O ACP é visto como “acordo anticorrupção” por suas cláusulas de condutas nas licitações públicas, evitar conflitos de interesse etc. Visa a promover transparência, integridade e competição no mercado de compras públicas que no mundo movimenta cerca de 12% do PIB dos países.

Esse acordo da OMC é plurilateral (participa quem quiser). Conta com 48 membros, incluindo a União Europeia (27 países). Há também 36 países observadores, como China, Índia e Rússia, parceiros do Brasil no Brics, e Argentina e Paraguai, sócios no Mercosul.

A negociação brasileira ocorre num contexto mais complicado, em que os EUA, inclusive com Joe Biden na Casa Branca, focam no “Buy American”, privilegiando compra com empresas americanas. “Nenhum contrato governamental será concedido às empresas que não fabricam seus produtos aqui nos EUA”, disse Biden na campanha. E isso terá impacto nos compromissos dos EUA no ACP.