Título: Os latinos e as tensões da globalização
Autor: Almeida, Rodrigo de
Fonte: Jornal do Brasil, 26/09/2008, Internacional, p. A21

Encontro em Mérida, no México, busca mais integração e justiça social para o continente.

MÉRIDA

Vem de Mérida - charmosa cidade colonial fincada no entorno das ruínas de uma aldeia maia, a quase 2 mil quilômetros da Cidade do México - o grito de resistência de uma América Latina em busca de voz, integração e justiça social. Aqui, um grupo de intelectuais está reunido na 18ª Conferência da Academia da Latinidade, que tenta repensar as identidades coletivas latino-americanas diante do que chamam de "tensões da globalização" e "fissuras dos Estados nacionais".

Em tempo de eleição presidencial americana, o debate contra a hegemonia política, econômica e cultural dos EUA se volta para as candidaturas de Barack Obama e John McCain.

- O governo de George Bush instituiu a cidadania de segunda classe para os hispano-americanos nos EUA. E infelizmente Obama não compreendeu ainda a importância da América Latina ¿ ressaltou, na abertura da conferência, o cientista político Candido Mendes, secretário-geral da Academia da Latinidade. ¿ São os latinos que podem fazer a diferença na eleição, em contraponto aos cubanos da Flórida, o Estado que garantiu a chegada de Bush à Casa Branca.

Origens

A lembrança a Obama se justifica. Para boa parte dos intelectuais da Academia ¿ nomes do Brasil, México, Itália, França, Espanha, Equador, Bolívia, Argentina, Uruguai e, inclusive, EUA ¿ o senador de Illinois representa, simbolicamente, o "retorno às origens" do país das "liberdades fundamentais" e da fundação do Estado democrático moderno, o que simultaneamente provoca reações fundamentalistas. Candido Mendes se refere, por exemplo, ao "discurso do ideal hegemônico" e da "guerra missionária e preventiva" ¿ simbolizados pelos republicanos.

A preocupação central em Mérida, porém, está em descobrir como vencer as fragmentações e o desenraizamento latino-americanos promovidos pela globalização. A saída passa por uma indústria cultural própria. Foi o que defendeu, por exemplo, a socióloga mexicana Beatriz Paredes.

Principal estrela da abertura da conferência, presidente do Partido Revolucionário Institucional (PRI), ex-presidenta da Câmara dos Deputados do México e líder da Confederação Nacional Campesina, Beatriz disse que só com uma indústria cultural própria será possível a América Latina romper com o "paradigma americano do êxito, do modo de produção, da massificação e da tecnologia".

¿ Indústria cultural não é um problema de tecnologia, mas de poder econômico ¿ afirmou. ¿ Penso em políticas educativas e culturais e na formação de redes locais, em que uso da tecnologia serve para estimular nossas identidades, e não massificar padrões de dominação. A tecnologia pode ser um instrumento de liberação ¿ completou, seguindo a expressão analisada pelo filósofo italiano Gianni Vattimo, com quem dividiu a sessão sobre novas subjetividades na sociedade em rede.

A própria sede da conferência é um símbolo da tese de Beatriz Paredes. O legado maia resiste por meio da cultura, como lembrou a governadora do Estado de Yucatán, Ivonne Ortega Pacheco, também do PRI e presente à conferência:

¿ A globalização tem feito com que as nações latino-americanas estejam competindo entre si por mercados, sem se integrar num conjunto de países com objetivos comuns.

Velhos problemas, como o problema da identidade, exigem novas soluções. Para o presidente da Academia da Latinidade, o espanhol Federico Mayor, a região precisa formar líderes vanguardistas, capazes de lutar com êxito contra a miséria e acabar com a cultura do medo gerada pela guerra. Lamentou que políticas econômicas de nações como os EUA justifiquem invasões armadas, quando morrem milhares de pessoas "vítimas do desamparo e da falta de solidariedade".

Mulheres

Mayor defendeu a integração das mulheres ao poder:

¿ Cerca de 95% das decisões são tomadas por homens. É muito difícil desta maneira estabelecer uma cultura de paz ¿ lembrou o ex-diretor geral da Unesco, para quem o poder, nas mãos das mulheres, significará o fim do que chama de cultura da imposição. ¿ Não queremos mais na América Latina uma Operação Condor (a aliança montada nos anos 70 pela repressão a opositores das ditaduras militares na região).