O globo, n.31900, 08/12/2020. Economia, p. 17

 

Gastos fora do limite

Marcello Corrêa 

Geralda Doca 

Manoel Ventura 

Ivan Martínez-Vargas

08/12/2020

 

 

Uma versão preliminar do relatório da proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza medidas de ajuste fiscal, a chamada PEC Emergencial, causou atritos entre o Congresso e a equipe econômica ao prever que parte das despesas de 2021 fique temporariamente fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço dos gastos públicos. O vazamento levou tensão ao mercado financeiro e fez com que o Ministério da Economia se posicionasse contra a ideia. O relator do projeto, senador Márcio Bittar (MDB-AC), negou ser a favor da flexibilização das regras fiscais.

O texto, divulgado inicialmente pelo jornal “O Estado de S. Paulo” e obtido pelo GLOBO, prevê a destinação de cerca de R$ 35 bilhões em recursos parados em fundos públicos — que hoje não podem ser usados livremente — para áreas como a erradicação da pobreza e a revitalização da Bacia do São Francisco. Os gastos feitos com esse dinheiro ficariam fora do teto por um ano. A brecha poderia ser usada para financiar uma ampliação do Bolsa Família sem a limitação da trava fiscal.

As primeiras informações sobre a medida foram mal recebidas pelo mercado, ao indicar uma flexibilização da regra que impede que gastos públicos cresçam mais que a inflação registrada no ano anterior. O Ministério da Economia divulgou nota em que afirmou ser “contra qualquer proposta que trate da flexibilização do teto de gastos, mesmo que temporária”.

A possibilidade de flexibilização causou mal-estar na equipe econômica, em um momento em que há dúvidas sobre a sustentabilidade das regras fiscais após os gastos emergenciais para combater a pandemia.

INTERPRETAÇÃO ERRADA

Assim que o teor do relatório começou a circular, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ligou imediatamente para Bittar e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Nessas conversas, de acordo com relatos de pessoas que presenciaram os telefonemas, Guedes ouviu dos senadores que não havia tentativa para flexibilizar o limite de gastos e que isso não seria votado pelos parlamentares.

Guedes ligou para o presidente Jair Bolsonaro que, segundo esse relato, garantiu que não há flexibilização do teto e que não acertou nada nesse sentido com congressistas.

No fim do dia, Bittar negou a possibilidade de flexibilizar o teto e disse que essa seria uma interpretação errada da medida em seu relatório.

— Essa interpretação está errada. Não há na proposta qualquer possibilidade de flexibilizar o teto de gastos — disse o senador ao GLOBO.

Em um esforço para reverter a má impressão, o parlamentar divulgou nota oficial com o mesmo teor. No comunicado, ele afirma ainda que o documento que vazou à imprensa não é oficial, embora fontes confirmem que o relatório divulgado partiu de assessores do próprio parlamentar. “Sou apoiador da agenda econômica do governo, representada pelo ministro Paulo Guedes, e está fora de cogitação qualquer medida que flexibilize o teto de gastos”, diz o texto.

O relatório do senador, que foi finalizado na tarde de ontem, é um compilado de três PECs que vinham sendo discutidas desde novembro do ano passado no Congresso. Segundo fontes que participaram dos debates, o ruído foi causado por um erro na hora de combinar os textos.

Um dos trechos incluídos na nova redação tem como origem a PEC dos Fundos, que libera recursos de fundos públicos. A exceção ao teto para gastos feitos com esse dinheiro já constava de versão anterior do projeto, apresentada em fevereiro pelo senador Otto Alencar (PSDBA), relator da proposta.

O vazamento aumentou a pressão no Congresso de parlamentares que defendem aumento de gastos em 2021.

CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS

Esse não é o primeiro atrito causado por uma versão do relatório de Bittar para a PEC emergencial. Em setembro, o parlamentar propôs adiar o pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — para financiar o programa social.

Para economistas, a flexibilização do teto poderia trazer consequências negativas para a economia do país, como aumento de juros.

— Essa flexibilização, mesmo que temporária, é insustentável. Não dá para prever o que aconteceria com juros e câmbio se isso fosse aprovado, mas pioraria muito o cenário — avaliou o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore.

Elena Landau, economista e ex-diretora do BNDES, critica ainda a ideia de desvincular recursos dos fundos.

— Essa ideia de desvincular (gastos) para tirar do teto para fazer políticas que os parlamentares vão escolher não faz sentido. Há ali questões completamente desnecessárias, como as relacionadas ao Rio São Francisco, que já estão em outros projetos, como o da Eletrobras. Os parlamentares querem é fazer política —observou.

Na visão da economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, o momento é de rediscutir o teto de gastos. Ela defende uma regra que permita ampliar despesas em momentos de necessidade e reduzi-las quando a atividade econômica estiver em alta:

— Não defendo que se abandone o teto, mas ele deve ter uma regra viável. A ideia é pegar essa regra e torná-la flexível a ponto de dar conta dos gastos de saúde, educação e proteção social que precisam ser feitos dada a pandemia

Apesar da turbulência, Bittar pretende apresentar o novo texto nos próximos dias às lideranças no Congresso. A proposta é uma versão enxuta do que vinha sendo discutido nos últimos meses. Não há menção ao novo programa social Renda Cidadã nem a medidas mais duras de redução de gastos, como a previsão de cortes de salários e jornadas de servidores públicos.,

Também há uma previsão de cortes em benefícios tributários. Pela proposta, o presidente Jair Bolsonaro terá que enviar ao Congresso um projeto para cortar incentivos em 10% já em 2021. Isso significaria um aumento de R$ 30 bilhões na arrecadação federal.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Ancora fiscal precisa ser reforçada, defende Armínio 

João Sorima Neto 

08/12/2020

 

 

O teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas do governo, é a principal âncora fiscal do país, mas se torna insuficiente se não for reforçado, diante do avanço da dívida pública. A avaliação é do ex-presidente do Banco Central e fundador da Gávea Investimentos, Arminio Fraga, que participou ontem de debate sobre a política econômica em 2021.

—O teto sozinho não a gu enta. O governo vai ter que aprovar reformas, mas vejo o Congresso mais reativo doque ativo neste momento. É um instinto de sobrevivência e não é o ideal. É preciso reforçar o lado fiscal —disse Fraga durante debate com o presidente do banco XP, José Berenguer, e o presidente do conselho do Comitê Global de Alocação da XP, Paulo Leme.

Fraga não comentou aversão preliminar da proposta de emenda à Constituição (PEC) que abre espaço para o uso de receitas desvinculadas de fundos públicos fora do teto de gastos por um ano.

O ex-presidente do BC lembrou que é preciso atacar as desigualdades do país, não só a econômica, que torna o Brasil um terreno fértil para o populismo.

Mas Armínio defendeu que os brasileiros precisam voltar a acreditar que têm uma chance. Uma rede de política social é essencial, disse, mas é preciso ir além disso.

— Mas vejo o ambiente político difícil no curto prazo. Vejo inconsistências no quadro de agenda , de visão do mundo nas lideranças do governo. Algumas têm cabeça mais liberal, outras não. Por isso, vejo o Brasil se defendendo: ou seja, algumas reformas acontecem, mas o caminho será difícil até 2022 —disse.

Armínio lembrou que existem duas grandes reformas necessárias: a tributária e a do Estado, mas é preciso mudanças para melhorar a competitividade da economia brasileira.

—Precisamos da desburocratização de pequenos aspectos david a produtiva— afirmou o economista.

Armínio disse que o país sempre se beneficia dos momentos de abundância de capital no mundo, mas fica vulnerável quando esse cenário se reverte, devido às suas questões internas.

— Temos questões de natureza fundamental que são maiores que os ventos que sopram de fora. A questão fiscal, a necessidade de ganho de produtividade e as incertezas. As preocupações são mais internas do que externas. O país se beneficiados momentos de abundância de capital, mas fica vulnerável quando esse quadros e reverte. Ejá estamos no segundo tem poda partida —concluiu.