O Estado de São Paulo, n.46341, 02/09/2020. Política, p.A4

 

Deltan deixa a Lava Jato; força-tarefa é prorrogada

Breno Pires

Fausto Macedo

Ricardo Brandt

Bianca Gomes

02/09/2020

 

 

Alvo de desgastes, procurador alega motivos familiares para sair da chefia de grupo original da operação; liminar de subprocuradora desagrada a aliados de Aras

Saída. Deltan ficou no comando da força-tarefa da Lava Jato por 6 anos e será substituído

O procurador da República Deltan Dallagnol anunciou ontem a saída do comando da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Os investigadores sediados na capital paranaense formam o grupo original da operação que levou à prisão e ao banco dos réus alguns dos mais poderosos nomes do Executivo, do Legislativo e de grandes empreiteiras do País. Deltan estava à frente da força-tarefa desde o início das investigações, em 2014, e alegou motivos pessoais para deixar a equipe. Nos últimos tempos, porém, ele enfrentou pressões, sofreu desgaste e teve uma queda de braço com o procurador-geral da República, Augusto Aras, ficando a um passo de perder o posto. 

Após o anúncio de Deltan, houve uma investida de parte do Ministério Público para defender a solidez e a continuidade dos trabalhos da Lava Jato. A subprocuradora Maria Caetana Cintra dos Santos, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, prorrogou por um ano a força-tarefa em Curitiba, em uma decisão liminar que contraria a cúpula da ProcuradoriaGeral da República. 

Composto por 14 procuradores de primeira e segunda instâncias, o grupo de investigação tinha funcionamento garantido apenas até 10 de setembro. A decisão da subprocuradora foi criticada por aliados de Aras. 

Em vídeo no Twitter, Deltan justificou a saída afirmando que precisa se dedicar à família, já que sua filha está passando por tratamento médico. Recorreu à mesma frase usada pelo ex-juiz da Lava Jato na capital paranaense Sérgio Moro ao deixar o Ministério da Justiça, em abril. “Vou estar à disposição do Brasil”, declarou, destacando que continuará a “lutar contra a corrupção como procurador e como cidadão”. “A Lava Jato tem muito a fazer e precisa do seu e do meu apoio”. 

Em entrevista à CNN Brasil, ele afirmou ainda que a atuação do MPF é atrapalhada por fatores externos e que ações em curso no Judiciário e no Legislativo podem causar impacto na continuidade dos trabalhos. “Você tem toda uma conjuntura externa que torna o nosso trabalho muito mais difícil, torna os resultados das investigações e processos muito mais difíceis”, disse o procurador. 

O substituto de Deltan será o procurador Alessandro Fernandes Oliveira, que defendeu a continuidade dos trabalhos da força-tarefa. “Em time que está ganhando não se mexe”, afirmou ele ao Estadão 

A saída do coordenador da principal operação contra corrupção no País foi comemorada pelas mais variadas vertentes políticas. “Eu acho que alternância é boa”, disse ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Uma pessoa que fica muito tempo na mesma posição acaba de alguma forma perdendo a capacidade, a produtividade que tem nos primeiros anos de trabalho.” 

Para os críticos, o fato expôs o enfraquecimento da Lava Jato. A atuação de Deltan é alvo de diversas contestações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que fiscaliza o trabalho dos procuradores. 

Futuro. Na avaliação de integrantes da força-tarefa de Curitiba, a saída de Deltan tem peso mais simbólico do que prático para o futuro do grupo, pois não muda o andamento dos processos. Mas a decisão pode levar outros membros a deixar o grupo e mexe com a equipe, do ponto de vista moral, observam outros integrantes e pessoas próximas. 

“É um baque para a operação, pois o Dallagnol é e sempre foi o coração da Lava Jato. Uma espécie de motor do idealismo de combate à corrupção”, afirmou o ex-integrante da força-tarefa, o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima. “A figura dele é insubstituível, porque ele é uma figura única no Ministério Público.” Mais do que uma função burocrática, Deltan representava para os demais o “idealismo”. 

No ano passado, a imagem de Deltan sofreu desgaste após diversas mensagens suas via aplicativo de celular terem sido expostas inicialmente pelo site The Intercept Brasil. As conversas mostraram que ele mantinha contato frequente com o então juiz da operação, Sérgio Moro, com quem trocava informações sobre o caso. Na época, eles não confirmaram a autenticidade das mensagens divulgadas. 

Já no fim do ano passado, procuradores da Lava Jato em Curitiba já esperavam dificuldades na renovação da força-tarefa. Uma alternativa aventada era a de criação de um coletivo permanente como os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) dos MPS estaduais.

O pedido de renovação da equipe foi apresentado pelo grupo da Lava Jato no Paraná na semana passada. Maria Caetana Cintra dos Santos concedeu a liminar, mas submeteu o tema a debate no Conselho Superior para referendo. A sessão que discutirá o tema ainda não marcada. Aliados do procurador-geral Augusto Aras criticaram a decisão da conselheira, afirmando que o Conselho Superior do MPF não tem poder para decidir sobre a designação de procuradores de primeira instância, mas apenas para decidir sobre o empréstimo daqueles de segunda instância, que são apenas dois na Lava Jato: Orlando Martello e Januário Paludo.

Além disso, interlocutores de Aras comentaram que não está claro se a conselheira tem competência para decidir, sozinha, sobre o tema. Para um integrante da cúpula da PGR, ela está criando um “fato político”.